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Anteprojeto propõe descriminalizar o aborto

Descriminalizar o aborto até a 12ª semana de gestação, ampliar o prazo da interrupção da gravidez para 20 semanas em casos de estupro e não determinar limite de tempo para o aborto em casos de grave risco à saúde da mulher e de má-formação do feto.
     
São essas as principais propostas do texto do anteprojeto elaborado pela comissão tripartite montada em abril pelo governo federal para discutir a revisão da legislação punitiva do aborto.
    
Hoje, o Código Penal pune com um a três anos de prisão a mulher que realiza um aborto. Os únicos casos permitidos por lei são a gravidez resultante de estupro ou quando há risco à vida da mãe.
    
A redação final do documento, feita por cinco dos 18 integrantes, será apresentada na segunda-feira aos demais membros. Mas ainda não está definida qual será a estratégia de encaminhamento da proposta ao Legislativo.
    
A Folha apurou que, em razão da crise política vivida hoje pelo governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva, havia uma expectativa de que o senador Eduardo Suplicy (PT) -que faz parte da comissão- entrasse com o anteprojeto pelo Senado. Suplicy descarta a hipótese, pelo menos neste momento.
    
Por meio da assessoria de imprensa, a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres disse que só vai se pronunciar sobre o teor do anteprojeto depois de recebê-lo e analisá-lo com todos os integrantes da comissão (seis do governo, seis do Legislativo e seis da sociedade civil).

Dos seis representantes da sociedade civil, quatro vêm de entidades feministas e são a favor da descriminalização.
    
Uma delas é a antropóloga Lia Zanotta Machado, representante da Rede Feminista de Saúde e que participou da redação final do projeto. Segundo ela, as propostas saíram de um consenso dentro do comitê e “não há possibilidade de volta”. “Pode ser mudado o formato final de apresentação, mas o conteúdo, não”, afirmou.
    
Um dos pontos que deve sofrer alteração na redação é a não determinação de prazo para o aborto quando há riscos à saúde da mulher ou quando há má-formação fetal incompatível com a vida, diz o ginecologista Jorge Andalaft Neto, que integra a comissão.
     
Segundo ele, a partir da 5ª semana de gestação, fetos já têm condições de sobreviver e, nessas condições, é preconizado uma antecipação do parto, e não o aborto. “Todas as gestações que ultrapassarem 20 semanas devem ser criteriosamente avaliadas.”
    
Esse, aliás, foi um dos pontos de discórdia na comissão. Tanto Andalaft quanto o geneticista Thomas Gollop são contra a inclusão, no texto, de falta de limite de tempo para o aborto. Para Lia Zanotta, com a descriminalização não haverá aumento do número de abortos no país e ocorrerá uma redução da taxa de mortalidade materna -hoje, o aborto é a quarta causa de morte.
    
Além da descriminalização, a proposta do anteprojeto elaborada pela comissão garante que a interrupção voluntária da gravidez seja realizada no Sistema Único de Saúde (SUS), bem como seja coberta pelos planos e seguros privados de assistência à saúde.
    
Segundo o ginecologista Aníbal Faúndes, coordenador do Comitê de Direitos Sexuais e Reprodutivos da Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia, o aborto até a 12ª semana de gravidez causa menos riscos à mulher e há consenso médico de que, até essa idade gestacional, não existe atividade cerebral do feto.
    
As decisões que constam da minuta do anteprojeto da comissão tripartite são semelhantes a um projeto elaborado pelas Jornadas Brasileiras pelo Direito ao Aborto Legal e Seguro -rede que reúne organizações em defesa dos direitos sexuais e reprodutivos- e que foi apresentado ao grupo.
    
Segundo Gilberta Soares, coordenadora das jornadas, o projeto, elaborado por seis advogados, tratou de adaptar o direito ao aborto às normas vigentes. O anteprojeto também deverá vir acompanhado da revogação dos dispositivos do Código Penal que tipificam o aborto como crime. Só seria mantido como crime o abortamento praticado sem o consentimento da mulher.
    
Embora poucas mulheres sejam condenadas por aborto, a proibição faz com que, a cada ano, cerca de 1 milhão de brasileiras realize abortos clandestinos, segundo estimativa do Ministério da Saúde.
    
PRÁTICA DE RISCO
Após usar Cytotec em um aborto malsucedido, garota foi internada
    
Estudante teve infecção uterina
Da reportagem da Folha de São Paulo
    
Em abril, a estudante paulistana Letícia (nome fictício), 18, entrou para as estatísticas das cerca de 244 mil mulheres submetidas a curetagem na rede pública de saúde por aborto inseguro por ano. Mãe de um bebê de um ano, ela usou 19 comprimidos de Cytotec (remédio para úlcera que causa contração uterina) para provocar um aborto.
    
Após introduzi-los na vagina, apresentou um pouco de sangramento, mas não houve a expulsão do embrião. Letícia adquiriu uma grave infecção uterina e foi internada no Hospital do Jabaquara (zona sul de São Paulo). Após a aspiração do embrião (curetagem), ficou internada durante quatro dias.
    
“Quase perdi o útero, mas não me arrependo. Não tinha a menor condição de criar outro filho”, diz Letícia, que estuda à noite e trabalha durante o dia em uma lanchonete.

Internações como as de Letícia custaram ao SUS cerca de R$ 36 milhões no ano passado só com o procedimento da curetagem. A maioria das pacientes é formada por mulheres pobres que fizeram aborto inseguro e tiveram complicações.
    
Dossiê da Rede Feminista de Saúde – entidade que reúne mais de 200 organizações de mulheres – e que foi entregue à comissão tripartite mostra que o Brasil gasta por ano cerca de US$ 10 milhões no atendimento das complicações do aborto. No dossiê, foram acompanhados casos de mulheres que praticaram aborto ou sofreram abortos espontâneos e que passaram por curetagens em hospitais públicos, entre 1999 e 2002.
    
Também foram mapeadas as mortes por abortamentos.
Elaborado a partir de consulta no DataSus (Departamento de informática do Sistema Único de Saúde), o documento mostra que os gastos com as internações por aborto na rede pública de saúde estão subdimensionados porque não são computados os custos com internações prolongadas ou com as mulheres que necessitaram de UTI.
    
Na avaliação de Fátima de Oliveira, secretária-executiva da Rede Feminista de Saúde, a legalização do aborto, além de poder salvar mais vidas, representará uma economia para o país. As maiores taxas de curetagem estão no Nordeste (5,5 a cada 1.000 mulheres), no Norte (4,48) e no Sudeste (4,13). A menor taxa está no Sul (2,65). Não estão computados os atendimentos na rede privada. A estimativa é que os abortos clandestinos ultrapassem 1 milhão por ano no Brasil.
    
CNBB desaprova a revisão da lei
    
A CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) condena a revisão da lei do aborto e afirma que sua posição é de “pleno respeito à dignidade e à vida do ser humano, não importando o estágio de seu desenvolvimento ou a condição em que ele se encontra”. Ou seja, o aborto é condenado em qualquer circunstância.
    
Ontem, o secretário-geral da CNBB, d. Odilo Pedro Scherer, foi procurado, mas, segundo a sua assessoria, estava viajando e não poderia se pronunciar sobre o assunto. A assessoria informou que prevalecia a posição da entidade, que consta no seu site oficial.
    
Durante os trabalhos da comissão, Scherer chegou a dizer que considerava tendencioso pensar apenas na mulher no debate da descriminalização do aborto. “Ninguém quer a punição, mas olha o outro lado: as clínicas de aborto, todo o negócio em cima.”
    
Segundo d. Amaury Castanho, bispo de Jundiaí (SP), a CNBB defende “a cultura da vida e não a da morte”. “Propor a descriminalização do aborto é uma atitude lamentável e de incentivo à cultura da morte”, afirmou ele.
    
Na sua avaliação, com a mudança de gestão no Ministério da Saúde -saída de Humberto Costa e entrada de Saraiva Felipe-, dificilmente será dado encaminhamento ao projeto de descriminalização do aborto. “Esperamos que ele avalie os resultados dessa comissão de forma criteriosa e não ceda às pressões das feministas.”
    
Ao assumir a pasta, Saraiva Felipe, 53, suspendeu várias portarias editadas por Costa, entre elas aquela que permitia que o aborto legal fosse feito sem apresentação do boletim de ocorrência.
    
O bispo auxiliar do Rio de Janeiro, d. Antonio Augusto Dias Duarte, tem posição semelhante. Médico e com especialização em pediatria, ele afirma ser “duplamente” contra o aborto e a sua descriminalização. “Não importa se é uma semana de gestação ou se são 12 ou 20 semanas. A vida é inviolável desde a concepção”, afirmou, referindo-se ao prazo de 12 semanas previstos na proposta de anteprojeto de descriminalização do aborto.
    
LEGALIZAÇÃO EM DEBATE
    
Comissão avalia que momento não é adequado para o governo encaminhar projeto para votação
Crise política ameaça discussão sobre aborto

    
Dentro e fora da comissão tripartite que discute a revisão da legislação punitiva do aborto, é unânime a opinião de que este não é o melhor momento político para o governo federal encaminhar à Câmara ou ao Senado um projeto de lei que trate da descriminalização do aborto.
     
Um anteprojeto, elaborado por cinco dos 18 integrantes da comissão, será apresentado na segunda-feira aos demais membros. “A situação é muito complicada. É incendiar a fogueira”, diz Gilberta Santos Soares, coordenadora das Jornadas Brasileiras pelo Aborto Legal e Seguro, referindo-se às denúncias de corrupção que vêm atingindo o PT.
    
Porém, ela avalia que o papel do governo seja o de assumir seu compromisso de enviar e acompanhar o anteprojeto no sentido de fazer valer os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, como prevêem tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.Ela diz que será fundamental uma mobilização da sociedade para que a proposta chegue e tramite no Legislativo.
    
O anteprojeto amplia ainda o prazo da interrupção da gravidez para 20 semanas em casos de estupro e não limita tempo para o aborto em casos de risco à mãe e de má-formação do feto.
    
Para o ginecologista Aníbal Faúndes, será preciso uma campanha educativa dirigida à população explicando o projeto e a importância da sua aprovação.
    
Cientes da fragilidade do governo, as feministas estavam confiantes de que o senador Eduardo Suplicy (PT) se ocupasse do encaminhamento do projeto ao Senado. Ontem, porém, Suplicy descartou essa hipótese, pelo menos neste momento. Embora oficialmente fizesse parte da comissão, ele disse que, em razão das turbulências no Legislativo (leia-se CPIs dos Correios e do “”Mensalão”), não conseguiu participar das reuniões e que, por ter mandado representante, desconhecia o teor do projeto. “A questão é delicada. É preciso ter prudência e cuidado. Respeito todas as opiniões, inclusive as da Igreja Católica e de outros grupos religiosos.”
    
O projeto também pode sofrer críticas ao ser apresentado ao restante da comissão, que tem na sua composição duas parlamentares escolhidas pelo presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), que é católico praticante e contrário ao aborto.
    
De início, o governo quis incluir na comissão uma participação religiosa, mas o Conic (Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil) declinou do convite. A CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) protestou contra a comissão e sua composição.
    
Da Assessoria de Imprensa do Cremepe.
Com Informações da Folha de São Paulo.
Jornalista: CLÁUDIA COLLUCCI.