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Pesquisas de novos remédios: Vale à pena ser cobaia humana?

A funcionária pública Nair de Alvarenga foi curada de uma displasia nas cordas vocais graças a um tratamento que nunca havia sido usado no Brasil. A recepcionista Renata Soares experimentou um batom, um xampu e um hidratante que ainda estavam em fase de teste. O estudante Charles Gois não tem diabetes, mas tomou um novo comprimido indicado para a doença. O empresário Eduardo Marafanti foi o primeiro brasileiro a testar um novo remédio para leucemia desenvolvido nos EUA.
    
Assim como eles, muitas pessoas estão se apresentando como voluntários em pesquisas clínicas –estudos científicos que envolvem humanos. E não em troca de dinheiro ou por não terem como pagar pelo tratamento médico.
    
Elas não são remuneradas por isso, têm planos de saúde e, muitas vezes, freqüentam os consultórios dos melhores especialistas do país.
    
Receberam informações detalhadas sobre os benefícios e riscos da pesquisa e, pelos mais variados motivos –desde a possibilidade de cura para um câncer até a simples vontade de provar um novo creme contra celulite–, optaram por participar.
    
De acordo com Greyce Lousana, presidente da Sociedade Brasileira de Profissionais em Pesquisa Clínica, a idéia de que apenas pessoas de baixa renda se submetem a pesquisas clínicas para ganhar dinheiro não procede. “Temos que desmistificar esse estereótipo. Qualquer um que tenha interesse e se encaixe no projeto pode ser voluntário. No caso de doenças mais graves, pode ser a chance de ter acesso a um tratamento de ponta”, afirma.
    
Lousana diz que o mais importante é assegurar-se de que se trata de uma pesquisa idônea. “Os estudos têm de ser aprovados pelos órgãos responsáveis e seguir uma série de exigências. A população deve se informar e exigir que as regras sejam cumpridas”, diz.
    
Os resultados de sucesso são um estímulo a mais para que as pessoas participem, mas, como em toda experiência, há riscos. “O paciente tem de ser monitorado 24 horas por dia. Se ele disser que está caindo um pouco a mais do seu cabelo, aquilo é levado em conta. Os centros de pesquisa têm de ter uma equipe treinada para isso”, diz Lousana.
     
Segurança
    
Quando soube que os testes com o novo remédio que lhe estava sendo oferecido já estavam em fase final, a estudante Amanda Viana de Souza, 19, sentiu-se mais segura para assinar o termo de consentimento. Há um mês, ela foi internada com uma infecção urinária. “Me explicaram que logo que o estudo terminasse e fosse aprovado, o remédio seria vendido na farmácia. Como já havia tido outros testes, decidi aceitar.” Ela conta que, no início, ficou insegura. “Pensei sobre tomar um remédio que nem tem comprovação. Mas a médica me explicou tudo e disse que eu cooperaria para o desenvolvimento de um novo remédio que poderia ser bom para mim também. Aceitei. Sou curiosa”, diz a estudante.
    
Para Amanda, a maior vantagem foi o acompanhamento que recebeu. “Conheci vários médicos e os enfermeiros estavam sempre por perto, medindo a pressão e vendo se eu tinha reações adversas”, relata.
    
A relações públicas Natália Giannattasio, 35, participou da mesma pesquisa que Amanda e também achou que o atendimento foi o principal benefício: “Nunca fui tão bem acompanhada. Médicos e enfermeiros mediam minhas condições vitais em períodos muito menores do que numa situação comum”.
    
Ela diz que o fato de se tratar de um hospital reconhecido contribuiu. “Sabia que estava em boas mãos. E, se eu não me sentisse à vontade, poderia parar. Também acho que a gente precisa dar um crédito para essas pesquisas. Se não, nunca vai haver novos produtos”, afirma.
    
De acordo com Henrique Salvador, diretor clínico do Mater Dei –hospital de Belo Horizonte onde Natália e Amanda participaram da pesquisa–, o acompanhamento constante durante o estudo possibilita um contato mais próximo com o médico. “Quem passa por uma pesquisa costuma ter acesso mais rápido aos avanços da medicina.”
    
Salvador diz que, desde a criação do centro de pesquisas anexo ao hospital, o número de estudos clínicos do Mater Dei vem crescendo entre 40% e 50% ao ano. “O hospital deixou de ser um centro só de assistência para se tornar também um gerador de conhecimento.”
    
Alguns pesquisadores recorrem a anúncios em jornais. O aposentado Domingos Reche, 69, leu na publicação de seu bairro que a Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) precisava de voluntários para uma pesquisa sobre exercícios físicos feitos por idosos. Desde o início do ano, ele vai ao local do estudo três vezes por mês e, a cada três meses, é feita uma avaliação com exames laboratoriais e cardiológicos. “Decidi ajudar porque tenho tempo para isso e porque minha saúde melhora. É uma chance que eu não teria se não fosse o estudo.”
     
Quando faltam voluntários, amigos e familiares dos médicos podem ser chamados para ajudar. O estudante de fisioterapia Charles Gois, 29, foi convidado pelo pai da namorada, que é toxicologista clínico, para testar um remédio para diabetes. O estudo tinha que ser feito em pessoas saudáveis. “Meus familiares ficaram receosos, mas eu sabia que ele não me indicaria algo que não fosse seguro”, diz Gois, que levou mais quatro amigos para completar o número de voluntários.
    
Cosmética recruta voluntários com facilidade
     
Há um tipo de estudo clínico para o qual não é difícil encontrar voluntários. Trata-se dos testes com cosméticos. Quem se interessa preenche um cadastro com seus dados e características dermatológicas (tipo de pele e cabelo, por exemplo). Quando há um estudo voltado para seu perfil, a pessoa é chamada para uma avaliação médica.
    
O cadastro da Allergisa, instituto de pesquisa na área dermatológica, possui em torno de 7.000 nomes. Outra empresa do ramo, a Medcin, tem mais de 3.000 voluntários registrados, de diversos níveis socioeconômicos. “As pessoas de maior renda podem comprar cosméticos no dia-a-dia e geralmente querem inovações em cremes e maquiagem. Quem ganha menos nos procura porque não tem condição de comprar”, diz Sérgio Schalka, diretor da Medcin.
    
A recepcionista Renata Soares, 29, participou de testes com um xampu, um batom e um hidratante. “Sou fã de cosméticos. Para mim, não foi sacrifício nenhum ir à clínica”, diz. Ela conta que foi informada de que poderia ter alguma reação. “Com os cosméticos do teste nunca aconteceu. Mas já comprei produtos na farmácia que me deram problema.”
     
Assim como no caso de medicamentos, para ser voluntário em testes de cosméticos é preciso assinar um termo de consentimento. “Muita gente acha que é distribuição de amostra grátis. Não é isso. A pessoa tem que comparecer às visitas, deve usar o cosmético conforme as instruções e não pode distribuir o produto”, alerta Schalka.
    
Caso ocorra alguma reação, há plantão médico telefônico e pessoal. “Há riscos, mas, no caso de cosméticos, é muito raro que algo aconteça”, diz.
    
Sérgio Schalka afirma que o maior perigo é submeter-se a procedimentos que não passam pelo crivo da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
    
“Há muita clínica de estética fazendo teste com cosméticos. Às vezes, as pessoas acabam participando de pesquisas sem nem saber”, diz. Para evitar que isso aconteça, deve-se perguntar se o produto tem registro na Anvisa.
    
Tratamento de ponta
    
Em situações de doenças mais graves, experimentar novos tratamentos pode ser a única saída. Foi o que aconteceu com a funcionária pública Nair de Alvarenga, 59. Ela tinha uma displasia na corda vocal e foi a primeira pessoa no país a testar um tratamento que já é rotina no hospital Sírio-Libanês, onde foi feito o estudo. Os médicos suspeitavam de câncer. Nair tomou uma medicação e teve um laser aplicado no local. O tratamento regenerou sua corda vocal e, em três dias, ela recuperou a voz. “Essa experiência me fez nascer de novo. Já tinha perdido as esperanças”, diz.
    
O empresário Eduardo Marafanti, 53, também tinha uma doença grave e foi buscar uma pesquisa clínica para seu caso no exterior. Em 1998, ele descobriu que estava com leucemia mielóide crônica e que teria pouco mais de um ano de vida. Em 2000, ficou sabendo que uma nova droga para a doença estava em teste nos EUA. Marafanti encontrou o autor do estudo pela internet e conseguiu se tornar voluntário. Ele fez uma campanha para trazer o remédio para o país –que é hoje usado com o nome de Glivex– e fundou a Abrale (Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia).
    
Durante os cinco anos da pesquisa, sua doença foi controlada –a porcentagem de células leucêmicas chegou a apenas 0,03%. Só que, há um mês, ele descobriu que tinha outro câncer, chamado leucemia linfóide aguda.
    
Mais uma vez, os estudos clínicos são a esperança de Marafanti. Ele é o primeiro brasileiro que testará um novo medicamento para o caso, desta vez aqui mesmo, no hospital Albert Einstein, em São Paulo. “Pelo que me disseram, as chances de cura são boas.”
    
Segundo o cirurgião Orlando Parise, coordenador do comitê de ética e pesquisa do hospital Sírio-Libanês, de 2004 até hoje os estudos clínicos da instituição foram de 41 para 87, a maioria na área de oncologia.
    
Ele afirma que os pacientes podem conseguir benefícios, mas ressalta que eles se restringem ao que está sendo estudado: “Pesquisa não é tratamento. O voluntário não pode achar que ganhou um seguro médico. Se ele tiver outro problema de saúde, não nos responsabilizamos.”
    
As pesquisas de Arnaldo Lopes Colombo, professor titular de doenças infecciosas da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), geralmente são com pacientes graves. Ele diz que, em geral, os voluntários têm outras doenças e estão sensibilizados com o processo de desenvolvimento de tecnologia na saúde: “Eles têm um grau de solidariedade muito grande. Isso facilita meu trabalho e a ciência.”
    
Remuneração aos voluntários é proibida no Brasil
    
Mulheres recebem cerca de R$ 5.000 para participar de um estudo que testa a eficácia de uma nova droga contra a obesidade. Usuários de lentes de contato ganham brindes ao experimentar um novo colírio que alivia os sintomas de olhos secos. Voluntários que aceitam ingerir medicamentos em fase de desenvolvimento são compensados com mais de R$ 4.000. E até quem doa sangue ganha uma ajuda financeira de R$ 300 por cada 600 ml do material coletado.
    
Histórias como essas já se tornaram corriqueiras em países como a Inglaterra e os Estados Unidos, onde a legislação local permite uma ajuda de custo ou até mesmo um salário aos que participam de pesquisas clínicas.
    
No Brasil, a remuneração é proibida, mas os voluntários têm o direito de serem ressarcidos das despesas decorrentes de sua participação nos estudos. Em alguns casos, esse ressarcimento acaba se tornando, ilegalmente, uma espécie de pagamento.
    
As normas envolvendo a questão estão definidas na resolução 196, aprovada pelo Conselho Nacional de Saúde em 1996, que regula a pesquisa clínica no país.
    
Cuidados antes de participar de alguma pesquisa
    
– Qualquer pessoa com mais de 21 anos pode participar voluntariamente de uma pesquisa clínica. A única condição é estar informado sobre todos os aspectos que envolvem o estudo: procedimentos, riscos, direitos e deveres. Para isso, deverá assinar um termo de consentimento;
     
– O voluntário tem o direito de desistir de participar da pesquisa em qualquer etapa do processo;
    
– O pesquisador também pode solicitar a retirada do paciente se considerar que os riscos são grandes;
    
– Se o tratamento que está em estudo não der certo, o paciente tem direito ao método convencional sem qualquer custo;
     
– Se o voluntário sofrer qualquer dano, pode exigir uma indenização;
    
– Os participantes de pesquisas são identificados pelas iniciais do nome e pela data de nascimento para que tenham sua identidade preservada;
     
– É direito do paciente expor todas as suas dúvidas e é dever do pesquisador esclarecê-las;
    
– Pesquisa clínica não é sinônimo de convênio médico nem de amostra grátis. Reflita sobre seus objetivos e expectativas;
    
– Muitos estudos prevêem monitoramento em tempo integral dos voluntários;
    
– Os Comitês de Ética e Pesquisa (CEP) têm como missão defender os interesses dos pacientes em sua integridade e dignidade.
    
Saiba mais:  
Conep – Comissão Nacional de Ética em Pesquisa
www.conselho.saude.gov.br
    
Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária
www.anvisa.gov.br
    
SBPPC – Sociedade Brasileira de Profissionais em Pesquisa Clínica
www.sbppc.org.br
    
Da Assessoria de Imprensa do Cremepe.
Com Informações do Equilíbrio on Line.
Jornalistas: FLÁVIA MANTOVANI e LUANDA NERA.