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Sobre furacões e aquecimento global

Rubens Junqueira Villela
    
Aumento de tempestades em cinco bacias oceânicas sugere relação de causa e efeito entre os fenômenos.
    
Recente trabalho sobre a mudança na quantidade, duração e intensidade de ciclones tropicais, em cinco bacias oceânicas e nos últimos 35 anos, de P. J. Webster, J. A. Curry e H-R. Chang, pesquisadores do Instituto de Tecnologia da Geórgia (EUA), e G. J. Holland, do Centro Nacional de Pesquisas Atmosféricas dos EUA, publicado na Science de 16 de setembro último, confirma outros estudos que apontavam um crescimento da freqüência de furacões das mais altas intensidades (categorias 4 e 5).
    
Esse incremento acompanha o progressivo aumento observado na temperatura da água de superfície nos mesmos oceanos. Esse aumento foi da ordem de 0,5ºC, no período 1970-2004, na temporada de furacões. Entretanto, não procura estabelecer relação de causa e efeito – embora a deixe subentendida – entre o aumento de tempestades tropicais e o aquecimento global, tal como sugerida por K. E. Trenberth, por exemplo, mas colocada como especulativa e sujeita a forte controvérsia. O debate parece reativar-se com as trágicas conseqüências do Katrina sobre Nova Orleans e região.
    
Entre as razões apontadas pelos autores do Georgia Tech e NCAR, que dificultam uma conclusão definitiva sobre o papel do aquecimento global na variação das tempestades tropicais, estão: 1) a variabilidade natural de ano para ano das estatísticas; 2) a interferência de outros fenômenos de grande escala como o El Niño e a Oscilação do Atlântico Norte (NAO); 3) o papel de outros fatores atmosféricos como a variação (cortante) dos ventos com a altitude; 4) a disponibilidade de umidade na média troposfera; 5) a falta de registros climatológicos mais longos; e 6) a falta de melhor entendimento do papel dos furacões na circulação da atmosfera e dos oceanos.
    
O estudo de Webster e colegas é menos conclusivo quanto à alteração do número e duração dos furacões em geral (a denominação é por eles aplicada a todo tipo de ciclone tropical, independentemente dos nomes regionais). Apenas no Atlântico Norte o aumento de freqüência para todas as categorias ( de 1 a 5) somadas é inequívoco. O argumento a favor de uma relação causal entre incremento na freqüência e intensidade de furacões e aumento da temperatura dos oceanos estaria fundamentado em uma suposta aceleração do ciclo hidrológico surgida através de uma relação não-linear entre a evaporação e a temperatura, já que a formação de furacões exige que a água esteja acima de 26oC. Os modelos de simulação do clima supondo uma duplicação do CO2 na atmosfera resultam em um aumento expressivo do número de ciclones tropicais de categoria severa, mas não de todas as categorias de intensidade.
    
Uma comparação do número de furacões de categoria 4 e 5 em dois períodos, 1975-1989 e 1990-2004, mostra que no Pacífico Oeste o número aumentou de 85 para 116 (ou de 25% para 41% do total), e no Atlântico Norte, de 16 para 25 (de 20% para 25%).
    
Em boletim datado de 2 de agosto, o Centro Nacional de Furacões dos EUA previa até mais de cinco grandes furacões no Atlântico Norte, totalizando sete furacões dessa classe na estação (maio a novembro), consideravelmente acima do normal. Entre os fatores favoráveis para isso estaria uma maior atividade dos distúrbios (perturbações atmosféricas que causam trovoadas) na África ocidental. Ali as trovoadas se propagam de leste para oeste e dão origem aos chamados furacões de Cabo Verde, que seguem rumo constante em direção ao Caribe. Ao fim, atravessam uma grande extensão oceânica de águas quentes, onde absorvem mais e mais energia calorífica, até se transformarem, muitos deles, nos monstros tipo Katrina – precisamente um “cabo-verdiano” .
    
O primeiro furacão a gente nunca esquece… Meu primeiro foi o Hazel em 1954: o olho passou sobre mim em Washington, a capital do EUA, que ficou seis horas sem energia elétrica. Apesar de nossa longa convivência com furacões, parece que eles ainda são um mistério não bem explicado pela ciência. Seja Katrina ou Catarina, a versão brasileira mais “light”, os atuais parecem sinalizar, com cada vez mais clareza, e outros indícios, uma mudança climática – e para pior, associada ao aquecimento global.
    
Rubens Junqueira Villela é meteorologista e professor aposentado do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP.
    
Da Assessoria de Imprensa do Cremepe.
Com Informações da Revista Scientific American Brasil.
Edição Nº 41 – Outubro de 2005.
http://www2.uol.com.br/sciam/conteudo/editorial/editorial_25.html