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Médicos formados em Cuba não conseguem trabalhar no Brasil

Movimento quer aprovação de lei que valida automaticamente diplomas de Havana, mas enfrenta resistências

Chega ao Brasil em agosto a terceira turma de médicos do Movimento dos Sem-Terra (MST) formados em Cuba. Vão juntar-se aos 18 jovens militantes que já passaram pela Escola Latino-americana de Medicina (Elam), em Havana, mas não podem exercer a profissão: seus diplomas ainda não foram reconhecidos no Brasil. Nem a turma de 2005 obteve autorização.

A demora incomoda a direção do MST. “Isso é fruto do preconceito de classe: o povo pobre não tem oportunidade de aprender medicina no Brasil e, quando consegue uma bolsa para estudar no exterior, não é reconhecido na volta”, reclama Marina dos Santos, da direção nacional do movimento.

O pessoal do MST estuda por meio de um programa do Ministério de Educação Superior de Cuba, que oferece bolsas para jovens indicados por partidos, instituições públicas e organizações sociais. Josiano Macedo, de 29 anos, é um desses jovens. Filho de agricultores – meeiros – do Rio Grande do Norte e militante dos sem-terra, ele desembarcou em Cuba em 2000. Fez um curso preparatório e prestou a prova de habilitação exigida pelo ministério, antes de ser aceito na Elam.

Depois de estudar seis anos e encantar-se com a sociedade cubana (“É um país maravilhoso, no qual as prioridades do Estado são questões básicas, como saúde, educação, lazer, esporte”), ele voltou em setembro do ano passado. E de lá para cá vem batalhando pelo reconhecimento do canudo.

De acordo com a lei brasileira, o estudante que obtém um diploma no exterior, em qualquer área do conhecimento, não pode exercer a profissão sem antes passar por um exame de revalidação – aplicado por universidades públicas, estaduais ou federais. O mesmo acontece quando um estrangeiro vem ao Brasil para exercer profissão aprendida lá fora.

O problema, segundo Macedo, é que as escolas não realizam as provas. “Há três anos que as faculdades de medicina não abrem processos de revalidação nem aceitam nossos pedidos para análise dos diplomas”, conta. “Pelas normas do Conselho Nacional de Educação, quando a compatibilidade dos currículos é superior a 90%, a revalidação é automática.”

Macedo acredita que por trás de tudo está o Conselho Federal de Medicina (CFM). “É uma jogada corporativista”, acusa ele. “O conselho federal conversa com reitores de universidades e conselhos regionais, criando dificuldades. Tentam, por exemplo, nos impedir de fazer residência médica, mas isso é ilegal: no Rio Grande do Sul, três colegas foram à Justiça e ganharam.”

Por enquanto, Macedo faz curso de especialização, lato sensu, em saúde da família, na cidade de Sobral, no Ceará, e trabalha num ambulatório. “Temos interesse nessa área e aqui funciona um programa pioneiro”, explica. “Fiz os exames para ser aprovado no curso. Enquanto estudo, também me preparo para o exame de revalidação, quando vier.”

Além de estudar, os médicos do MST estão de olho no Congresso. Lá tramita um projeto de lei que torna automático o reconhecimento, no Brasil, dos diplomas da Elam. “Queremos a aprovação desse projeto, que confirma um acordo bilateral assinado entre os governos dos dois países em 2003 e renovado em 2006”, diz Macedo. “Isso resolveria o problema dos brasileiros que passaram por aquela escola – e que já são mais de cem.”

Na direção do CFM, o conselheiro Geraldo Guedes, da comissão de ensino, rebate as críticas. “Estão atirando no alvo errado. O responsável por todo o processo de revalidação dos diplomas é o Ministério da Educação, que transfere essa atividade para as universidades públicas”, diz. “Apoiamos esse sistema e estamos fazendo propostas ao governo para que o aperfeiçoe, com o objetivo de facilitar o trânsito da revalidação. Defendemos um exame único em todo o território nacional. Ele seria aplicado por um conjunto de seis ou sete universidades, em diferentes regiões.”

Na opinião de Guedes, a polêmica tende a crescer, porque aumenta o número de jovens que vão estudar medicina em outros países da América Latina e voltam para o Brasil: “A maioria vem da Bolívia.”

Antidemocrático

Por outro lado, o CFM, segundo Guedes, está disposto a combater de todas as formas o projeto de lei que, com apoio do Itamaraty, revalida automaticamente os diplomas da Elam. “Há gente vindo da Argentina, da Bolívia e de outros países com diplomas médicos. Por que criar uma exceção? Por que tratar os cidadãos brasileiros de forma diferente?”, argumenta. “Não somos a favor desse acordo, que, além de anticonstitucional, não tem nada de bilateral, porque não é recíproco: os diplomas brasileiros não serão automaticamente aceitos lá. Somos a favor do aperfeiçoamento do atual sistema, que, além de mais seguro, é democrático.”

Consultado, o MEC informou, por meio de sua assessoria, que a legislação está sendo cumprida – e que a realização das provas compete às escolas públicas. Sobre o projeto que abre uma exceção para os diplomas da Elam, o ministério preferiu não se manifestar.

Da Assessoria de Comunicação do Cremepe.
FONTE: Roldão Arruda, do jornal O Estado de São Paulo (01.07.2007).