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Fundação Pública de Direito Privado: o implantar do Estado Mínimo

Ricardo Paiva
Médico, coordenador do Centro de Estudos Avançados do Cremepe e integrante do coletivo Roda da Saúde

O debate a respeito do projeto que o governo enviará (conforme dados constantes no site do ministério do planejamento) e que ensejará mudanças profundas na administração pública – e ao meu ver, caminhando no sentido da desresponsabilização do Estado para com os segmentos que ele, Governo, considera como atividades não exclusivas de governo, quais sejam: Saúde, Educação, Assistência Social, Meio Ambiente, Cultura e Desporto – é de tão grande importância que em termos republicanos jamais poderá ser encaminhado em regime de urgência ao Congresso Nacional e deveria ser objeto de amplo debate com a sociedade.

Em termos gerais, o projeto aponta como meio para tornar mais flexível e dinâmica a administração pública, atestando que pela administração direta não é possível mais buscar esta eficiência devido:

a)lei das licitações;

b)dificuldades na gestão de Recursos Humanos;

c) contratações com repercussões pecuniárias previdenciárias.

Dessa forma, foi engenhosamente criada pelo Governo Federal a figura jurídica da Fundação Estatal Pública de Direito Privado. Acredito que logo na gênese há incoerência e incongruências fatais.

1- O Estado, ao considerar essas atividades acima descritas como não exclusivas de Estado, determina que não haverá por parte do próprio Estado, o cumprimento das leis federais 8080 e 8142 que regulamentam os artigos constitucionais que versam sobre a saúde e determinam a instalação das carreiras dos profissionais de saúde.

2- O Estado tacitamente reconhece que não vai alterar a lei das licitações e que dificultam sim a administração pública direta, pois beneficia os setores privados que se organizam e estabelecem preços em quaisquer compras do serviço público, quando o natural seria o Governo Federal estabelecer para todos os itens a serem objeto de compra, o valor médio permitindo a compra sem licitação, desde que observados esses valores como limites máximos. Ao mesmo tempo o Estado reconhece que para as funções que considera exclusiva de Estado (aparelho de segurança e arrecadador) possa na ótica dele (Estado) continuar a administração sem eficiência como justifica para criar tais fundações sem que a esses segmentos sejam também atingidos ou subordinados.

3-O Ministério do Planejamento evoca relatório do Banco Mundial constatando a ineficiência da administração da saúde, mas esse mesmo relatório comprova que o contingenciamento das verbas, a não aplicação do CPMF e da EC 29, enfim o sub-custeio é determinante para o resultado ineficaz administrativo. E aí se questiona: Pela Fundação Estatal Pública de Direito Privado, não haverá contingenciamento? Porque o Governo não custeia adequadamente o SUS? Porque não estabelece um modelo de gestão pública pela Escola Nacional de Saúde Pública, obrigando todos os gestores a serem qualificados lá? Porque não há um sistema efetivo de controle e avaliação? Porque não há capacitação para que bem se exerça o controle social?

4-Especificamente tem sido argumentado que o Programa Saúde da Família será beneficiado, desprecarizando a gestão de trabalho. Mas precisa ser advertido que o Programa Saúde da Família, efetivamente, apesar de todos os seus defeitos, tem sido eficiente em melhorar os indicadores de saúde, mas nunca se tornou política pública permanente, exatamente porque compete ao Estado, na forma da lei, elaborar concurso público com plano de cargos e carreira, semelhante ao modelo de trabalho do judiciário ou Ministério Público ou ainda delegados, enfim entrada pelo interior, salários dignos, dedicação exclusiva ao trabalho público. A fundação afundará essa possibilidade.

5- Não haverá por trás de tudo interesses em efetuar uma mini reforma previdenciária, já que a Previdência Social, segundo o próprio governo, está falida e não pela parte dos trabalhadores, que religiosamente é descontada, mas pela parte governamental que é retirada da seguridade para outros gastos?

6-O que acontecerá com o CONSUAS? A Assistência Social também está no escopo dessa lei. Morrerá logo ao nascer?

7- Quais as razões da Educação, Meio Ambiente, Cultura e Desporto serem administrados por Fundações Públicas de Direito Privado? Quem serão os gestores que determinarão que tipo de cultura, arte ou proteção ambiental deva receber recursos?

Enfim, enfrentamos o neoliberalismo desde o início, elegemos um presidente que defendia exatamente o oposto e através de sua caneta, estamos assistindo a possibilidade de ser implantado o Estado Mínimo, dado que é meio caminho entre a administração pública direta e a gestão privada e nada impede que nas leis estaduais venha a ser conferido o direito de gestão pelo privado.

Advogam os que defendem esse projeto que a esquerda conservadora teme o novo. Não! A esquerda está aberta ao novo desde que o estabelecido seja provado que é impossível de ser administrado, mas para isso é necessário imperiosamente que seja custeado, modelado em termos de gestão, avaliado e controlado, o que não tem ocorrido por parte do Poder Central desde a criação do SUS, maior revolução institucional Brasileira.

É necessário o aprofundamento do debate no parlamento, na sociedade civil organizada e até mesmo na consulta popular.

Os Governos precisam entender que o país é do seu povo que, quando exerce o poder do voto, busca transformações e eficiência, mas não confere o direito e o poder público – nem que seja minimamente – desobrigado de suas funções. As Fundações Estatais PÚBLICAS de Direito PRIVADO caminham para esse objetivo.

Da Assessoria de Comunicação do Cremepe.