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Criadas as primeiras escolas de medicina

Terminantemente proibidas nas colônias portuguesas pelo risco de fomentar idéias subversivas, as escolas de ensino superior nasceram no Brasil com a chegada da família real. Antes mesmo de pisar no Rio de Janeiro, D. João VI autorizou a criação, em Salvador, do primeiro curso de medicina do país. A Escola Cirúrgica da Bahia (foto) foi instalada no então Real Hospital Militar, no Terreiro de Jesus. Era 13 de fevereiro de 1808. Nove meses depois, o Rio de Janeiro ganharia a Escola Anatômica, Cirúrgica e Médica. Ambas ainda existem. A primeira faz parte, hoje, da Universidade Federal da Bahia (UFBA). A segunda, da Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

O decreto do príncipe regente não foi apenas uma forma de conquistar a simpatia da Corte. Afinal, ele desembarcou na colônia com mais de 15 mil pessoas, incluindo a própria mãe, Dona Maria, a Louca – que, como o apelido sugere, padecia de enfermidades mentais e inspirava cuidados médicos. D. João VI, por seu lado, seria hipocondríaco, segundo alguns biógrafos. Nada mais natural que se preocupasse em formar especialistas e cirurgiões.

No Brasil oitocentista, morria-se de difteria, meningite, diarréia e, principalmente, de causas desconhecidas. D. João estranhou o fato de o paraíso tropical ser uma verdadeira fábrica de defuntos. Assim, as primeiras escolas de medicina tiveram, no momento inicial, a incumbência de formar profissionais capazes de investigar o motivo de tantas mortes. Médicos e sanitaristas europeus já desconfiavam que a falta de higiene estava por trás dos padecimentos. Ainda não se sabia que era a água, e não o ar, que transmitia boa parte das doenças infecciosas, mas a desconfiança de que as imundícies urbanas provocavam os males era quase unanimidade.

E isso não faltava no Brasil. A colônia colecionava toda sorte de sujeira. “Como a sarjeta corria no meio da rua, os detritos eram ali atirados – das lojas e residências – e serviam, por sua vez, de alimento aos animais. As casas, por sinal, eram bastante sujas, com o andar térreo destinado aos escravos e à cavalariça”, relata a historiadora Lílian Mortiz Schwarcz no livro A longa viagem da biblioteca dos reis.

A falta de higiene desencadeava as mais variadas doenças. “Segundo a observação de quase dois anos que conto de residência no Rio de Janeiro, tenho por moléstias endêmicas desta cidade, sarna, erisipelas, empigens, boubas, morphéa, elefantíase, formigueiro, bicho dos pés, edemas de pernas, hidrocele, sarcocele, lombrigas, ernias, leuchorréa, dysmonorréa, hemorróidas, dispepsia, vários efeitos convulsivos, hepatites e diferentes sortes de febres intermitentes e remitentes”, relatou o médico Bernardino Antônio Gomes, conforme cita Laurentino Gomes no livro 1808.

“Óleo humano”

Sobrava para os leigos a tarefa de cuidar dos infortúnios coloniais. Os barbeiros, além de aparar bigodes, tiravam dentes e faziam cirurgias. Sem anestesia. Boticários, curandeiros e escravos também praticavam a medicina, utilizando ervas, raízes e insumos como “óleo humano”, “dentes de javali” e “olhos de caranguejos brutos”, conforme lista o historiador Nireu Cavalcanti. Num território supersticioso, os sacos de mandinga eram outra arma usada para reprimir doenças e afastar mau-olhado.

Para se ter uma idéia da carência de profissionais, dois anos antes de se transformar na sede da escola de medicina de Salvador, o Hospital Real Militar da Bahia contava com apenas sete profissionais. Em 13 de setembro de 1808, o cirurgião-mor, Jozé Soares de Castro, oficiou um documento ao provedor do hospital, solicitando a ampliação do quadro. “Se precisa de três enfermeiros mais para o bom arranjo de setenta e sete doentes por estarem muito mal servidos, com um só”, justifica, no manuscrito, que hoje se encontra no Arquivo Público do Estado da Bahia.

No ofício, o cirurgião também destaca a importância do estudo da anatomia: “Os médicos poderão fazer a abertura dos cadáveres, cuja doença e circunstâncias dela o exigirem”. A anatomia, aliás, era o ponto forte da escola de medicina, juntamente com a obstetrícia. O mesmo se repetia na escola do Rio de Janeiro, onde os pesquisadores se debruçavam sobre as causas das doenças tropicais.

Os efeitos da criação das escolas superiores, como se pode supor, não foram imediatos. Brasileiros e portugueses continuavam padecendo de enfermidades hoje consideradas banais. Mas basta lembrar que, menos de um século depois da vinda da família real para o Brasil, Oswaldo Cruz matriculava-se na escola do Rio de Janeiro. Graças a seus estudos, o país, finalmente, compreendeu e combateu as doenças tropicais.

Da Assessoria de Comunicação do Cremepe.
Fonte: Correio Braziliense.
Reportagem: Paloma Oliveto.