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O exercício ilegal da medicina

Por Geraldo Pereira

As conhecidas e bem divulgadas caravanas do Cremepe (Conselho Regional de Medicina de Pernambuco) têm resultado, no mais das vezes, em avanços sociais para a gente dos mais distantes rincões do Estado. A experiência já foi reunida em livro e vez ou outra o informativo do órgão dá conta dessas incursões interioranas. Visitas às unidades de saúde se constituem no objetivo maior das viagens, mas questões colaterais, sobretudo aquelas ligadas à saúde física e mental dos adolescentes, se incluem como finalidades que não são desprezadas. Um problema, porém, vem inquietando as autoridades fiscalizadoras da profissão: o exercício ilegal da medicina. São estudantes que se antecipam na prática ou médicos formados fora do País, alguns brasileiros e outros estrangeiros, sem a necessária revalidação dos diplomas, que trabalham como se autorizados estivessem.

O aluno, com frequência, sente-se seduzido pela execução do ato médico, acreditando que somará experiência à pouca vivência que tem. Além disso, é atraído pelo salário, mesmo que minguado, pago pelo contratante. Não reflete que sem a conclusão do curso sacramentada e sem a licença do Conselho é impossível não incorrer em ilicitude, no crime do exercício ilegal da profissão. A reação oferecida pelo Cremepe ao caso fez com que se associassem as escolas médicas, num esforço objetivando esclarecer o estudante quanto à sua própria prática. Não pode e não deve o jovem atuar distante de um preceptor, isto é, sem o apoio de um médico capaz de lhe orientar. Mas, principalmente, capaz de assumir todo e qualquer problema de responsabilidade ética ou jurídica. Por exemplo, em caso de óbito, somente o habilitado pode atestar. De mais a mais, nessa ocasião, o estudante corre o risco de ser preso.

É natural entender que as faculdades de medicina têm se interessado pelo impasse e orientado os gestores públicos no sentido de que exijam do candidato a um emprego não apenas o diploma, mas a licença para o exercício. E é natural compreender que jovens assim estejam sob a observação de seus professores, com o intuito de os orientarem a não aceitar substituir um médico, pelo impedimento legal e porque terminam tomando um emprego de um futuro colega. É claro que esse guia intelectual, acompanhado da vigilância realizada pelo Cremepe e agora pela polícia, há de contribuir para a correção do problema e expor menos a população a essa circunstância consentida.

Aparentemente mais séria é a questão dos profissionais que não obtiveram a revalidação do diploma, sejam brasileiros formados em escolas estrangeiras ou os que chegam de fora e permanecem no Brasil. É comum encontrar quem tenha estudado na Escuela Latinoamericana de Medicina, de Cuba, e volte ao Brasil interessado em legitimar a documentação. Isso nem sempre é fácil, porque a orientação pedagógica é diferente e os currículos diversos, sequer a situação nosológica dos dois países – Cuba e Brasil –, são similares. Basta notar que a mortalidade infantil na ilha é mínima e por cá ainda inquieta as autoridades de saúde pública. Ou basta atentar para o fato do extraordinário desenvolvimento da técnica, em que pese o desgaste do humano, por aqui, sobretudo em Pernambuco, um pólo médico reconhecido, malgrado o fato de se destinar, preferentemente, à elite, salvo raras exceções, dentre as quais o Imip.

Mais raramente se tem o charlatão puro, que exercia a arte sem ter proximidade alguma. Cheguei a conhecer um desses! Corriam os anos 80 e o encontrei por casualidade, apenas. Era um atendente de enfermagem, sem curso de nada, mas aceito pela clientela que atendia pela forma gentil e atenciosa de seus gestos. Um cavalheiro, diziam as senhoras que por ele eram consultadas, no ambulatório de ginecologia de um sindicato urbano. Quando detectado e devidamente denunciado, houve uma grita geral de suas pacientes. Usava um receituário restrito na área, o qual, por certo, absorvera nos anos em que prestara serviço recebendo uma demanda diferente daquela, em outro lugar, naturalmente e noutra situação profissional. Foi demitido e processado. Mas, para mim, deixou a lição de que o trato humanizado preside o ato. Se assim não fosse, não iria o charlatão utilizar-se desse recurso.

*Geraldo Pereira é professor da UFPE