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Transporte de pacientes em quadro clínico de morte suspeitado pela família para a instituição de saúde no qual é matriculado afim de constatação do óbito e fornecimento da DO.

DA CONSULTA: Solicitação junto ao Conselho Regional de Medicina de Pernambuco, sobre Aspectos éticos e legais do transporte de uma pessoa que vem em tratamento domiciliar e há suspeita por parte da família que o paciente foi a óbito e não há como o médico ir até a casa do paciente para confirmar esse óbito.

DA ANÁLISE ÉTICA

A morte é parte integrante da vida e como tal, objetivo da medicina. Um ponto importante da prática médica é definir quando um paciente está morto. Em termos médicos, a morte é o término das funções vitais. Amplamente difundida essa definição não é exclusiva da medicina e utilizada da igualmente por leigos. Leigos e médicos buscam determinar esse instante. A morte pode ser melhor caracterizada como um processo, ao invés de um momento, onde o indivíduo perde sua identidade de modo irreversível. Dentre os diversos objetivos que a prática médica deve ter em mente para lidar com o morrer, o principal é o diagnóstico de morte. Além das características atribuíveis a todo ato diagnóstico executado, o diagnóstico de morte tem implicações legais, que afetam tanto os familiares como o próprio médico. Diagnosticar algo significa, em última análise diferenciar entre duas condições e diante da incerteza compete ao médico pelo seu conhecimento técnico-científico, estabelecer o diagnóstico de morte. Em suma, cabe ao médico dizer se o paciente está morto ou não. Em outras situações clínicas, uma margem de incerteza é tolerável. No diagnóstico de morte, está margem deve ser zero. Este diagnóstico deve ser pautado, já que a margem de incerteza deve ser a mínima possível e de preferência inexistente, com critérios claros e objetivos, de ampla aceitação social, de modo a garantir confiabilidade. Do ponto de vista da Bioética, o respeito à pessoa humana é um fundamento básico da sociedade. Respeito esse que se extende ao corpo que já não tem as prerrogativas do ser vivo, mas que é parte de um contexto familiar, histórico e cultural. O momento da morte pode ser um momento de ambivalência e paradoxos por parte dos entes queridos. Momento de profunda tristeza e incertezas diante do inevitável, onde surgem as controvérsias sobre se realmente o ente querido está de fato morto. No desespero e na tristeza, busca-se uma certeza. Em população de maior vulnerabilidade social, as dificuldades se agigantam e vai tornando esse momento ainda mais pesaroso. Definir esse óbito para que se processe o funeral, se torna muitas vezes um longo caminho de tortura psicológica e constrangimento. Familiares que moram em regiões de difícil acesso e a falta de políticas públicas de assistência no que se refere à morte e em particular em domicilio, confirmado pelo documento: The quality of death. Ranking end-of-life care across the world. Publicado em 2010 na Revista The Economist, onde coloca o Brasil no terceiro pior lugar do mundo para se morrer, demonstram de forma inequívoca o quanto precisamos evoluir do ponto de vista de políticas públicas e de educação para à morte. Podemos utilizar para uma análise mais apropriada a partir da Bioética da Proteção, que se constitui de uma ferramenta teórica e prática que visa entender, descrever e resolver conflitos entre seres humanos em condições distintas de tomadas de decisões. Ao priorizar os “mais vulnerados” que não dispõem de meios apropriados para tomar decisões prudentes, estamos respeitando concretamente o princípio da justiça, já que se aplica a equidade como condição fundamental para a efetivação do próprio princípio de justiça para atingir a igualdade. (Schramm 2008).

DA ANÁLISE LEGAL

Para fundamentar esse parecer, buscamos pareceres anteriores e identificamos o Parecer Atestado de Óbito CFM nº 57/1999, relato pelos então conselheiros Lúcio Mário de Cruz Bulhões, Léo Meyer Coutinho e Rubens Santos Filho, aprovado em plenária final no dia 30 de setembro de 1999, onde consta: “Certamente, os valores relativos à vida se sobrepõem aos da morte. Por isso, há vasta regulamentação de garantias quanto à qualidade e zelo com o paciente vivo, todavia pouco há sobre o morto. A D.O é documento essencial, por que somente através dela se registra e é expedida a Certidão de Óbito em Cartório Oficial. É o único documento que comprova o evento morte para todos os fins que sobrevirão àquela data”. Ainda no mesmo parecer, os pareceristas relatam exemplos: Médico assiste há muitos meses acompanha o paciente com doença crônica ou incurável, vindo esse paciente a falecer longe das vistas do médico, geralmente em domicílio, o médico assistente, conhecedor de todo o histórico do paciente, não poderá se furtar a fornecer o atestado de óbito, pois se “suspeita” de alguma coisa tem a obrigação de pessoalmente avisar a autoridade policial de que suspeita. No mesmo caso, situam-se pacientes de consultório e ambulatório hospitalar ou posto de saúde. Ninguém melhor do que o médico assistente para formular as hipóteses de “causa mortis”. Não é porque o paciente não se encontra hospitalizado que o médico poderá classificar a morte como de causa suspeita.

Parecer 1560/2008. Assunto: Declaração de Óbito. Relator: Horácio Fittipaldi do Conselho Regional de Medicina de Pernambuco: “A declaração de Óbito de pacientes terminais que faleceram em sua residência, mas que estiveram recebendo assistência médica em um hospital anteriormente deve ser assinada por um médico da instituição, baseado nas informações contidas em seu prontuário. Esse médico precisa se deslocar até a residência do paciente, constatar o óbito e preencher a declaração de óbito”.

RDC/ANVISA Nº11, de 26 de janeiro de 2006.

Dispõe sobre o Regulamento Técnico de Funcionamento de Serviços que prestam Atenção Domiciliar

RESOLUÇÃO CFM nº 1.668/2003

Art. 2º – As empresas ou hospitais que prestam assistência em regime de internação domiciliar devem manter um médico de plantão nas 24 horas, para atendimento às eventuais intercorrências clínicas.

Art. 9º – Em caso de óbito durante a assistência domiciliar, o médico assistente do paciente assumirá a responsabilidade pela emissão da competente declaração.

O Código de Ética Médica (Resolução CFM nº 1.931/2009) aborda esse tema nos capítulos:

No capítulo X – Documentos Médicos. É vedado ao Médico:

Art. 83: Atestar óbito quando não o tenha verificado pessoalmente, ou quando não tenha prestado assistência ao paciente, salvo, no último caso, se o fizer como plantonista, médico substituto ou em caso de necropsia e verificação médico-legal.

Art. 84: Deixar de atestar óbito de paciente ao qual vinha prestando assistência, exceto quando houver indícios de morte violenta.

No capítulo VII – Relação entre Médicos, diz no que vedado ao médico:

Art. 56: Utilizar sua posição hierárquica para impedir que seus subordinados atuem dentro de princípios éticos.

Em havendo posição contrária da chefia imediata quanto ao preenchimento da D.O pelo médico plantonista da Unidade onde o paciente é assistido e tem seu prontuário na unidade, deve seguir a orientação do CEM no capítulo X artigo 83.

QUESTIONAMENTOS

Tomando como base a exposição acima descrita e a consulta da consulente, a Câmara Técnica de Bioética faz os seguintes questionamentos:

  1. Por se tratar de uma assistência preconizada pela a OMS desde 2002 onde os cuidados paliativos vão até o pós morten do paciente, não seria a instituição responsável por todo o processo, inclusive estabelecendo escala de profissionais para atestar o óbito em domicílio?
  2. Em não havendo condições das instituições manterem profissionais com essa função, pela própria condição de caos que vive a saúde pública no Brasil, é ético manter uma regra de atestar o óbito no local, onde o próprio estado não fornece meios elementares da assistência no momento da morte?
  3. Se quem tem competência legal de atestar o óbito do paciente é o médico, deve-se proibir a família de transportar seu ente querido até a unidade na qual ele é assistido para que o médico de plantão possa confirmar esse óbito?
  4. Tem a família competência para saber se o paciente realmente está morto em um momento de angustia, sofrimento e incerteza?
  5. É ético prolongar a via crucis dos familiares para a obtenção da D.O do ente querido falecido?

PARECER:

Em uma análise bioética, entendemos ser uma conduta moralmente válida, a família na incerteza do óbito do seu ente querido e na possibilidade do transporte pela mesma, buscar uma assistência médica que confirme a morte, ou seja: sempre cabe o benefício da dúvida quando uma verdade científica não for confirmada e na impossibilidade de um médico se fazer presente no local do óbito para a confirmação do mesmo e assinar a D.O.

Não estamos com isso contrariando nenhuma legislação ou incitando qualquer comportamento que venha contrariar a norma legal e de direito, mas apenas, como é o papel primordial da Bioética, buscando um justo equilíbrio entre os extremos, ou seja: buscando uma resposta razoável para casos reais em condições de incertezas.

Estamos deliberando sobre o caso concreto.

“A deliberação representa a via humana, ou seja, mediana, aquela de um homem que não é completamente sábio nem inteiramente ignorante, num mundo que não é absolutamente racional, nem absolutamente absurdo, o qual, no entanto, convém ordenar usando as mediações claudicantes que ele nos oferece.” (AUBENQUE, p.188)

Este é o parecer, s.m.j.

Recife, 24 de novembro de 2014.

Helena Carneiro Leão

Conselheira Parecerista