Este é o assunto que tem ocupado espaço significativo do noticiário e preocupado pais e responsáveis, em grande parte temerosos devido aos riscos implicados no retorno das atividades escolares. Representa um dos temas mais polêmicos no contexto da COVID-19, já que profissionais de saúde e da educação estão longe de um consenso e diariamente surgem publicações abordando a questão com conclusões muitas vezes divergentes. Várias perguntas complexas permeiam o pensamento das famílias e todos querem saber: se as escolas reabrirem, o ambiente será seguro para alunos e professores?
Apesar dos numerosos debates em torno do novo coronavírus (SARS-CoV-2), uma das poucas certezas que temos é de que atualmente não existem evidências robustas sobre medicamentos antivirais específicos para o tratamento da COVID-19. As vacinas somente estarão disponíveis na melhor expectativa no início do próximo ano e provavelmente as crianças não serão prioritárias no primeiro momento. Por esse motivo, o retorno à rotina escolar deve ser norteado pela cautela, seguindo parâmetros bem definidos que incluam a análise da situação epidemiológica de cada localidade.
A princípio as escolas só devem reabrir se o local em questão obedecer aos seguintes critérios: cenário epidemiológico com curva descendente; leitos de Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) com disponibilidade suficiente e redução sustentada do número de óbitos. O período atual, contudo, é oportuno para as escolas e as Secretarias de Educação atualizarem os seus protocolos de retomada das atividades escolares presenciais à luz dos novos conhecimentos, uma vez que uma série de medidas de proteção precisará ser implementada para minimizar o perigo de transmissão da COVID-19 nos colégios brasileiros.
Medidas como a lavagem adequada das mãos com água e sabão ou a utilização do álcool a 70%, o uso das máscaras de acordo com a faixa etária e o distanciamento físico de no mínimo 1,5 metros são práticas fundamentais para evitar o contágio. Todas as escolas que cogitarem a reabertura vão ter que sistematizar essas práticas. Além disso, também é imprescindível a organização de turmas com redução do número de alunos, horários diferenciados de entrada e saídas e a manutenção do regime de alternância entre aulas presenciais e à distância. As experiências internacionais bem-sucedidas foram aquelas que adotaram estas medidas associadas à utilização das áreas externas para algumas atividades e salas com janelas abertas e ventilação adequadas.
Sobre o uso de máscaras, a Organização Mundial de Saúde (OMS) fez novas recomendações em publicação recente indicando a utilização para todos os adolescentes acima de doze anos; para crianças entre seis e onze anos de idade que residam em região com intensidade elevada de transmissão da COVID-19, tenham interação com pessoas de risco, apresentem habilidade em usá-las e tenham acesso às máscaras com substituições regulares; e para crianças acima dos dois anos de idade e abaixo dois seis, a OMS indica o uso nos casos em que as crianças e/ou seus contactantes apresentem situações de risco e desde que criança demonstre capacidade para o uso correto, sempre com a supervisão de um adulto. Com bom senso, cada caso deverá ser individualizado de acordo com o estágio de desenvolvimento da criança e das condições clínicas pessoais e familiares.
Em contraponto ao risco de contágio, é urgente perceber que a ausência do ambiente escolar e do convívio com a comunidade são elementos extremamente prejudiciais ao bem-estar e desenvolvimento da população pediátrica, sobretudo para os que pertencem às camadas menos privilegiadas da sociedade. Ressaltamos, entretanto, que todas as crianças, independentemente de qual classe econômica pertençam, estão atualmente em situação de maior vulnerabilidade emocional, desenvolvendo alterações comportamentais como o medo excessivo da doença, irritabilidade, tédio, ansiedade, sentimento de solidão, depressão entre outras. As crianças precisam começar a sair da “clausura” imposta pela aparente proteção familiar e com os devidos cuidados retornar às brincadeiras ao ar livre, às atividades físicas, enfim, à vida!
A segurança alimentar é outro tópico preocupante, ainda mais em tempos de recessão econômica. Muitas famílias contam com a merenda como complemento da alimentação da criança. Em outra vertente, temos observado o aumento da obesidade e do maior uso de alimentos ultraprocessados. Além disso, a permanência fora da escola por tempo tão prolongado aumenta expressivamente os riscos de violências e abusos de várias espécies, da gravidez na adolescência e do uso de drogas. Podemos destacar ainda o perigo de elevarmos a evasão escolar, realidade bastante comum no Brasil e que nos adolescente de 15 a 17 anos já chega à preocupante taxa de aproximadamente 15%.
A quarentena acentuou as desigualdades há muito verificadas no sistema educacional do Brasil entre os estudantes de escolas públicas e privadas. No ensino público, milhares de alunos tiveram o ano letivo completamente paralisado. Muitas famílias não têm acesso à internet e às tecnologias de informática e o Estado ainda não conseguiu suprir essa demanda de forma efetiva. De acordo com dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), em função da pandemia de COVID-19, cerca de 500 milhões de crianças e adolescentes foram excluídos do sistema educacional em 2020 ao não serem contemplados pelo ensino à distância (EAD). O número corresponde a um terço da comunidade escolar em todo o mundo. Em resumo, com as escolas fechadas, todas essas vulnerabilidades são amplificadas e as crianças ficam bastante desamparadas. Por isso, os gestores públicos e privados necessitam ter uma visão integral do problema, que claramente não se resume à questão do contágio.
Nesse momento, o mais importante é que sejam utilizadas as melhores evidências científicas para guiar as ações de combate à pandemia, inclusive no retorno às aulas de maneira segura e planejada. Muito importante lembrar que a volta às atividade presenciais de cada criança tem que ser discutida entre a família e a escola, devendo ser oferecida a opção de manter o EAD nos casos em que a família não se sinta segura neste retorno ou que haja alguma contraindicação médica para tal.
A análise crítica das diversas publicações que demonstraram o melhor caminho na decisão de volta às aulas em outros países permitirá evitar os erros cometidos e reproduzir as melhores estratégias de sucesso, adaptando-as à nossa peculiar realidade brasileira. As consequências desta pandemia para a humanidade se estenderão por décadas e toda uma geração de crianças que hoje estão em sofrimento será negativamente comprometida no futuro se todos juntos, família, sociedade, educadores, profissionais de saúde e governantes não agirmos urgentemente em seu benefício. Este é o primeiro passo para vencermos mais uma etapa da pandemia.
*Pediatra do IMIP. Vice-presidente da Sociedade de Pediatria de Pernambuco (SOPEPE), membro do departamento de imunização da SBP e Conselheiro do CREMEPE