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Covid-19 versus varíola do macaco

Salvador Macip, médico e pesquisador que lidera o Laboratório de Mecanismos do Envelhecimento e Câncer da Universidade de Leicester (Reino Unido), publicou recentemente algumas dúvidas sobre a associação da pandemia de covid-19 e os atuais surtos de varíola dos macacos e hepatites de causa desconhecida. A notícia de um surto sem precedentes de varíola dos macacos, doença rara geralmente confinada apenas à África Central e Ocidental, trouxe de volta reflexões sobre o início da covid-19 e um temor de uma nova pandemia.

Importante ressaltar, entretanto, que a doença não é causada por um vírus desconhecido, mas por um parente distante já bem estudado do vírus da varíola. Sabemos que a vacina contra a varíola, que a maioria dos adultos com mais de 50 anos recebeu quando eram crianças, oferece boa proteção, até 90%, contra a varíola dos macacos.

Há outras notícias positivas: o contágio acontece apenas em situações de contato muito próximo e, ao contrário da covid-19, o paciente apenas transmite a infecção quando sintomático. Evitar contato com pessoas que estejam com uma erupção cutânea suspeita reduz muito o risco de transmissão. É por isso que os surtos geralmente são pequenos e controláveis. O contágio também pode ocorrer por meio de animais infectados, geralmente roedores. A mortalidade é baixa, ficando entre 1% e 3%.

Mas o surto atual é diferente e de maior magnitude. Pela primeira vez na história, abrange mais de 30 países e inclui quase 700 casos. Não há mortes relatadas. Houve surtos anteriormente, como o que ocorreu nos Estados Unidos em 2003, com cerca de 70 casos, devido a ratos importados da Gâmbia. Existe a hipótese de que o paciente zero pode ter tido um inglês que viajou para a Nigéria e talvez tenha contraído o vírus de um animal selvagem. Mas a continuidade da transmissão viral a seguir não é muito clara.

Será que vírus da varíola dos macacos adquiriu uma nova mutação que o tornou mais infeccioso? Não parece ser o caso, porque o sequenciamento do genoma viral, até agora, não revelou grandes mudanças. Pode haver uma nova maneira de contaminação: contato sexual. Isso não havia sido relatado antes. Mas com a observação que as relações sexuais geralmente precisam que as pessoas estejam próximas, isso pode ser apenas uma coincidência.

Uma hipótese mais preocupante que está tomando corpo é que a covid-19 nos “preparou” para outras doenças infecciosas devido a uma redução importante à exposição de vírus e bactérias, por causa dos bloqueios, distanciamento social, máscaras e lavagem das mãos e, com isso, levando ao “enfraquecimento” da nossa imunidade, tornando-nos mais propensos a essas infecções.

Os casos recentes de hepatite grave em crianças, também um evento raro repentinamente ampliado, podem ser outro exemplo disso. No momento, não temos como saber se a covid-19 teve algo a ver com o surto de varíola dos macacos e talvez não teremos essa resposta. É provável que o surto de varíola desapareça logo, devido às características da transmissão e do conhecimento que temos em relação à prevenção. A grande dúvida é se vamos observar mais doenças infecciosas raras como um efeito colateral da pandemia. Espero e torço para que não!

  • Eduardo Jorge da Fonseca Lima, médico e pesquisador do Imip, Professor da FPS e conselheiro do Cremepe.