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Médicos em apuros

Pesquisa com profissionais da medicina mostra que eles abusam de substâncias químicas lícitas e proibidas. Automedicação e abuso de álcool estão entre os principais problemas diagnosticados

O principal responsável pela promoção da saúde da população está doente. Ao contrário do que se possa imaginar, não é só a extensa jornada de serviço, com a multiplicidade de empregos e as condições de trabalho que estão adoecendo os médicos. O fácil acesso a medicamentos tornou o profissional da saúde vulnerável à dependência química. Além de abusar de sedativos e estimulantes, os doutores consomem drogas lícitas e ilegais tanto quanto a população em geral. O uso abusivo de drogas tem levado a categoria a distúrbios psiquiátricos e ao afastamento dos consultórios, além de afetar a vida pessoal.

“Os médicos estão tomando remédio para dormir e para acordar”, afirma Jorge Curi, presidente da Associação Paulista da Medicina. O perfil de médicos dependentes químicos em tratamento no país faz parte de um estudo do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), em parceria com a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). A análise envolveu o prontuário de 365 médicos em 15 estados, com diagnóstico de abuso de substâncias que levam à dependência e que estiveram em tratamento ambulatorial entre 2000 e 2005.

O levantamento é o tema da tese de doutorado do coordenador da Rede de Apoio a Médicos da Unidade de Álcool e Drogas (Uniad) da Unifesp, Hamer Nastasy Palhares Alves. “Não há evidência do problema ser mais freqüente entre os médicos do que em outras profissões”, esclarece. Psiquiatra, Alves trabalha há sete anos na Uniad com médicos dependentes.

Entre as constatações que preocupam o especialista, está a demora na busca por tratamento. Para 40,5% dos profissionais, a procura por ajuda só ocorreu depois de até seis anos dos primeiros sintomas de dependência. “No Brasil não existe uma lei que obrigue o médico a se tratar”, observa Alves. Segundo ele, o Canadá e alguns estados dos Estados Unidos têm controle mais rigoroso.

A diretora do departamento de gestão e da regulação do trabalho do Ministério da Saúde, Maria Helena Machado, reconhece a falta de tratamento diferenciado para o segmento. Os cuidados aos médicos estão incorporados na atenção à saúde do trabalhador. “Temos uma baixa capacidade política de “obrigar” os médicos a cuidar da saúde”, admite.

Automedicação e drogas

De acordo com os dados coletados por Alves, os médicos apresentam taxas de uso nocivo e dependência similares às da população geral, que variam entre 8% e 14%. A situação piora quando as drogas são de fácil acesso para a categoria. Nesses casos, os índices são cinco vezes maiores do que na população em geral. Como é o caso da dependência de analgésicos derivados da morfina que provocam sensação de bem-estar – os opióides (10,9%) e os sedativos e controladores de ansiedade – e os benzodiazepínicos (13,7%). Embora em menor incidência, 8,5% dos médicos dependentes iniciaram tratamento para se livrar de drogas ilícitas como crack, cocaína, anfetaminas e inalantes.

A automedicação também é considerada preocupante. Na pesquisa, foi encontrada em 71,2% dos casos investigados. Segundo especialistas da área, o alto percentual demonstra o abuso de farmacológicos, que geralmente são utilizados para tentar amenizar desequilíbrios emocionais.

“Anestesistas e ortopedistas têm facilidade para conseguir opiáceos e, por isso, usam mais analgésicos. Diferentemente do clínico, pediatra e cirurgião que, sem acesso a calmantes, têm problemas com o uso abusivo de álcool”, exemplifica Curi.

O perfil da maioria dos 365 investigados é de homem, casado, com idade média de 39 anos. A pesquisa constatou que o uso de substâncias químicas começa por vota dos 32. A depressão foi o problema psiquiátrico mais encontrado no grupo em tratamento por uso nocivo ou abusivo de substâncias químicas. Em 84% dos médicos em tratamento, identificaram-se problemas profissionais; 63% no casamento; 36% sofreram acidentes automobilísticos, e 27% tiveram o emprego afetado. “Não se trata de uma novidade. O Conselho Federal de Medicina denuncia as condições de saúde dos médicos há mais de 10 anos”, afirma Curi, presidente da APM.

“No Brasil, não existe lei que obrigue o médico a se tratar” (Hamer Nastasy Palhares Alves, pesquisador da Unifesp)

O número
71,2% dos médicos fazem uso da automedicação

Iguais aos pacientes

As doenças crônicas que ocorrem na população em geral também se repetem entre os médicos. Acostumada a pedir aos pacientes para fazer exercícios físicos e ter uma dieta balanceada, a categoria não faz o dever de casa. Problemas de saúde como hipertensão e doenças do aparelho digestivo fazem parte das sintomatologias que acometem os profissionais de saúde. O diagnóstico consta no estudo “A saúde dos médicos do Brasil”, publicado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) no mês passado.

“O médico tem consciência da falta de cuidado com a própria saúde e, por isso, transfere para o paciente o que ele não pode fazer “, avalia o consultor do CFM Mauro Brandão. Infectologista do Hospital Evandro Chagas, da Fundação Oswaldo Cruz, Brandão se considera em situação privilegiada dentro do segmento. “Tenho um só emprego, enquanto o médico tem em média três”, destaca.

Pedido de ajuda

O trabalho, que ouviu 7,7 mil médicos em todo o país, constatou que 21,8% têm doenças no aparelho circulatório, 19,1% sofrem de problemas endócrinos e 19,7% são acometidos por enfermidades do aparelho digestivo. Cerca de 60% a 80% dos ouvidos declararam ser dependentes de nicotina. Brandão se diz surpreso com o pedido de socorro de alguns colegas. “O questionário enviado aos médicos não pedia identificação. Mesmo assim, uma minoria relevante colocou nome, endereço, telefone e pediu ajuda ao CFM”, afirma. Segundo Brandão, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul foram os estados com situações mais gritantes.

As sete doenças mais comuns no grupo são: dores lombares (21,6%), problemas no aparelho digestivo (18,9%), eczema crônico (14,3%), hipertensão (14%), artrose (6,9%), distúrbios mentais (6,2%) e asma (5%). “Tem muito médico que deveria estar em tratamento e não procura ajuda”, afirma o psiquiatra Genário Barbosa, coordenador do Centro de Documentação e Pesquisa do CFM e responsável pelo levantamento.

A diretora do departamento de gestão e da regulação do trabalho do Ministério da Saúde, Maria Helena Machado, admite que a saúde da população em geral fica comprometida com profissionais doentes. Segundo a técnica do ministério, o governo trabalha para melhorar o ambiente de trabalho e a humanização do atendimento. “Um plano de carreira foi aprovado. Por meio de portaria ministerial, passou a ser aplicado nos estados e municípios”, diz. De acordo com Helena, a intenção do ministério é valorizar o profissional e evitar que ele procure vários empregos.

Da Assessoria de Comunicação do Cremepe.
Fonte: Correio Brasiliense.
Reportagem: Hércules Barros, da equipe do Correio.