Brasília – Os organizadores da 13ª Conferencia Nacional de Saúde esperam que as propostas incluídas no relatório final sirvam de diretrizes para o poder público elaborar suas políticas para a área. O relatório final deve conter cerca de 400 propostas.
De acordo com o o presidente da conferência, Francisco Batista Junior, o relatório será enviado a secretarias estaduais e municipais de Saúde além de câmaras legislativas, ao Congresso Nacional e órgãos do Poder Executivo.
“Esse relatório deve ser, a partir de agora, referência para que o Poder Legislativo elabore as leis e, a partir do que está sendo discutido aqui, os conselhos de Saúde e as secretárias de Saúde elaborem e implementem suas ações tendo como base o relatório”.
Batista também disse que para melhor uso, pelos gestores, das propostas apresentadas na conferência, eles devem primeiro fazer um diagnóstico da situação da saúde no seu estado ou município, para só depois implantar as ações.
“Não significa necessariamente que o gestor tem que implementar tudo o que está no relatório. Ele tem no seu estado e implementar as ações que que são necessárias para melhorar o sistema”, explicou.
Para o presidente da conferência, os principais temas debatidos foram o legalização do aborto, a criação das fundações estatais de saúde, o financiamento da saúde por meio de CPMF e a regulamentação da Emenda 29, que estipula um valor mínimo de recursos para a saúde.
Sobre o aborto, ele afirmou que mesmo com a manifestação contrária da conferência, o governo precisa discutir a atenção à saúde da mulher. “O governo esta sendo chamado a discutir a atenção à saúde da mulher em todos os seus aspectos”, disse.
No que diz respeito à proposta de criação de fundação pública de direito privado na saúde, encaminhada pelo governo ao Congresso Nacional, Batista afirmou que é preciso discutir a gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) de forma mais aprofundada e o debate sobre as fundações estatais se inclui nessa pauta.
“É preciso (ao governo) entender que as questões sobre a gestão do SUS não dizem respeito à forma de contratação dos trabalhadores, ao salário do trabalhador, se tem estabilidade ou não tem, se é questão de mercado ou não”, disse.
“O debate que estamos fazendo está mostrando para o governo que a questão é mais complexa, tem a ver com relação de trabalho, com relação público-privado, tem a ver com priorizar ou não prevenção”.
Conferência surpreende e rejeita aborto
Uma reviravolta surpreendente fez com que a proposta de legalização da interrupção de gravidez fosse derrubada ontem, na plenária final da 13ª Conferência Nacional do setor. Pressão religiosa funcionou
Depois de quatro dias sendo exaustivamente debatida, a proposta que causou mais polêmica durante a 13ª Conferência Nacional de Saúde foi reprovada ontem, para surpresa de seus defensores. De acordo com a organização do evento, cerca de 70% dos 4,7 mil delegados estaduais que se reuniram em Brasília votaram contra a descriminalização do aborto – para uma proposição ter a vitória decretada, era necessário contar com o apoio da maioria simples dos votantes. Com o resultado, o assunto ficou de fora do relatório final da conferência e não será encaminhado ao governo federal como sugestão de política pública de saúde, a exemplo dos que foram aprovados.
O resultado surpreendeu aqueles que consideravam a vitória garantida, até porque a proposta, ao longo da conferência realizada de quinta-feira até ontem, havia conseguido aprovação em sete das 10 plenárias realizadas durante o encontro. “Mas nada estava definido. Depois de encerrado o debate na plenária, os grupos começam a se mexer, a buscar mobilização. Não dava para dizer quem seria mais eficaz”, comenta Francisco Batista Júnior, presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), que, apesar da explicação, confessou ter ficado surpreso com o desfecho da disputa.
E nem foi preciso esperar muito pela votação. Dos temas que não haviam atingido consenso durante o evento, a proposta de descriminalização do aborto foi a primeira ser decidida, ainda pela manhã. O acirramento de ânimos dos participantes pôde ser visto quando Batista Júnior, que conduzia a mesa, leu a proposição. Foi a senha para grandes grupos organizados na platéia puxassem com insistência os coros “supressão”, referindo-se à eliminação da proposta, e “sim à vida”. Quando foram convocados a votar, cerca de 70% ergueram os crachás em movimento de rejeição. “Fica aprovada, então, a supressão do texto”, afirmou, de microfone em punho, o presidente do CNS.
Uma das vozes contrárias à descriminalização da interrupção da gravidez, Clóvis Boufleur, gestor de relações institucionais da Pastoral da Criança e representante da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), considerou fundamental, para o resultado, a inclusão da palavra aborto no texto da proposta. “Isso deixou as coisas às claras. Desse modo, as pessoas sabem no que estão votando, o que não acontecia quando o termo estava implícito”, afirma Boufleur.
Reclamação
Quem não gostou da reprovação foi Adson França, diretor do departamento de ações programáticas e estratégicas do Ministério da Saúde -a proposta chegou a ser defendida abertamente pelo ministro da Saúde, José Gomes Temporão, na semana passada. “Achei surpreendente que um tema dessa magnitude tenha sido o primeiro na pauta do dia. Tem delegações que nem chegaram ainda”, criticou, pouco depois da votação, o representante do ministério. “E continuo achando esse resultado final meio estranho, tendo em vista que a proposta vinha sendo aprovada nos dias anteriores. E não houve sequer debate nessa plenária final. Não temos medo do debate, ao contrário deles”, ironiza.
Embora fosse indiscutível, a vantagem apontada por França não significava vitória garantida. A proposta entrou na pauta de ontem porque obteve aprovação de 30% a 69% dos delegados em mais de seis plenárias. As proposições que haviam conseguido a aprovação de pelo menos 70% em no mínimo seis sessões sequer foram levadas à discussão no domingo – estavam automaticamente garantidas no texto final. Em cada plenária, havia cerca de 300 delegados votantes.
Boufleur, que temia a derrota e afirmava, ainda no sábado, que a questão contava com a força do governo e dos movimentos trabalhadores, creditou o sucesso da empreitada à capacidade de mobilização dos grupos religiosos. Ele afirma ter conseguido apoio entre movimentos indígenas, organizações ligadas a hospitais filantrópicos e outros grupos. “Fizemos trabalho de conscientização, panfletagem, corpo-a-corpo e garantimos a presença dos nossos representantes aqui, para que houvesse quórum”, explica. Batista Júnior reforçou o argumento. “Quando entenderam a polêmica, eles partiram para se articular”, diz.
Feministas lamentam
Ao contrário dos grupos religiosos, integrantes dos movimentos feministas lamentavam a derrota. “Quem perde são as mulheres pobres, que não têm recursos para interromper a gestação em clínicas de qualidade. Mas isso é só uma batalha e a discussão não termina aqui”, resigna-se Clair Castilhos, presidente da Rede Nacional Feminista de Saúde. Boufleur rebate o argumento. “O aborto não é solução, e sim programas de prevenção, atendimento, pré-natal. Defendemos a vida”.
É a segunda vez seguida que a proposta de descriminalização do aborto, apoiada abertamente pelo governo federal, foi derrubada. Na 12ª Conferência Nacional da Saúde, realizada em 2003, primeiro ano de mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a idéia também foi rejeitada. No sábado, outra proposta governamental, que previa a criação de um novo modelo de gestão dos hospitais públicos, por meio de Fundações Estatais de Direito Privado, já havia sido recusada por unanimidade.
O número
5 mil – delegados de todo o país estiveram presentes à conferência
Pesquisa com células-tronco
Ao mesmo tempo em que recusou a proposta de descriminalização do aborto, a 13ª Conferência Nacional de Saúde aprovou outra igualmente polêmica: a de incentivo e promoção dos meios necessários para as pesquisas com células-tronco – tema que, a exemplo do primeiro, costuma enfrentar a rejeição de grupos religiosos. “Achamos que isso não iria acontecer por conta do resultado em relação ao aborto, mas foi melhor assim”, opina Francisco Batista Júnior, presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS). A proposição foi mais uma entre as quase 500 votadas durante o evento, estruturadas em três eixos temáticos.
Entre os assuntos, os delegados aprovaram um pedido de que todos os recursos arrecadados com a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) sejam aplicados integralmente na área de saúde, apoiaram a intensificação da fiscalização sobre os conselhos do setor (que seria realizada em parceria com o Ministério Público da União), a implementação de uma política de auditorias no Serviço Único de Saúde em todas as esferas de gestão e o asseguramento do repasse das verbas do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust) para implementar a informatização da área.
Os delegados também votaram contra a forma como a Câmara dos Deputados aprovou o projeto que regulamenta a Emenda 29, que destina mais recursos para a saúde. Segundo o projeto, o aumento das despesas com o ramo está vinculado ao Produto Interno Bruto (PIB), mas os delegados querem a determinação de um percentual fixo de 10% da receita corrente bruta do governo como o mínimo a ser destinado à promoção da saúde. O projeto está em tramitação no Senado Federal.
Da Assessoria de Comunicação do Cremepe.
Reportagem: Roberta Lopes, da Agência Brasil e Renato Freire, do Correio Brasiliense.







