Desse total, 32,4 mil dependem do SUS, revelam dados do Ministério da Saúde; demora pode chegar a até seis meses. Radioterapia é fundamental para sucesso no combate ao câncer; problema se agravou nos últimos meses em razão de nova norma da Anvisa
Ao menos 54 mil pessoas com diagnóstico de câncer no país estão em filas de espera para a radioterapia, segundo dados do Ministério da Saúde. Dessas, 32,4 mil dependem do SUS [Sistema Único de Saúde]. O restante são usuários de planos e convênios de saúde.
O problema se agravou nos últimos meses porque os serviços de radioterapia tiveram que se adaptar a uma norma da Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária], que determinou a desativação de máquinas antigas que colocavam em risco a saúde de pacientes.
Alguns serviços, como o de Jundiaí [SP], não conseguiram se adequar às regras e paralisaram as atividades, encaminhando os pacientes a outros locais -que já tinham uma grande demanda. Outros, como o de Santo André [ABC], estão com equipamentos quebrados.
A radioterapia é fundamental para o sucesso do tratamento do câncer. Quanto mais rápido e eficaz o procedimento, mais chances tem o paciente de sobreviver. Neste ano, o Inca [Instituto Nacional do Câncer] estima que o país registre 351.720 casos novos de câncer [sem contar o de pele]. Ao menos 60% desses pacientes vão precisar de radioterapia.
O ministério não sabe informar qual o tempo médio de espera na fila, mas, conforme a Folha apurou em dez serviços, a demora chega a seis meses. Para atender a demanda, a pasta calcula a necessidade de mais 85 novos equipamentos -o país tem hoje 267.
O problema, porém, não se resume à falta de aparelhos. Segundo a Sociedade Brasileira de Radioterapia, o ministério não atualiza o valor do procedimento há anos e também não paga quando o número de procedimentos ultrapassa o teto estabelecido pela pasta.
O Ministério da Saúde reconhece a crise e elegeu o setor da radioterapia como uma das prioridades do PAC da Saúde.
Para Inês Gadelha, técnica do Ministério da Saúde, a situação no Sul e no Sudeste não é tão grave porque a oferta de serviços é maior. Os problemas se concentrariam mais no Centro-Oeste, Nordeste e Norte.
Não é bem assim. Em São Paulo, todos os serviços de radioterapia da capital que atendem o SUS têm filas de espera.
A dona-de-casa Vanda Noé, 62, de Santo André [SP], por exemplo, ajuda a prima com câncer na coluna a encontrar atendimento. Ela está inscrita em quatro filas de espera desde o fim do ano. “Ela sente dores horríveis, mas dizem que só haverá vaga em meados de maio.”
O IBCC [Instituto Brasileiro de Controle do Câncer], na zona leste de SP, trabalha com capacidade máxima -das 7h às 23h-, mas os novos pacientes do SUS esperam em média 90 dias para iniciar a terapia, segundo Valentim Biazotti, presidente do IBCC. O instituto atende 3.000 pacientes, sendo 1.500 vindos de outros locais.
No Hospital São Paulo, 50 pacientes aguardam uma vaga na radiologia, que atende 120 doentes por dia. O hospital não soube dizer o tempo médio de espera, mas a Folha apurou que chega a seis meses.
No Grande ABC, ao menos cem pacientes têm sido encaminhados por mês a São Paulo após um dos equipamentos do Instituto de Radioterapia do ABC quebrar no fim do ano.
Segundo o médico Jairo Cordeiro, diretor do Instituto de Radiologia do ABC, a fila de espera em hospitais de São Paulo é, em média, de três meses. “Há filas em todos os lugares. Para o SUS, são três meses. Para convênios, um mês.”
“É um grande prejuízo ao paciente. Enquanto ele espera, o tumor está crescendo. Há pacientes que tinham chances significativas de cura e elas estão se reduzindo dia-a-dia.”
Em Jundiaí, a situação é parecida. O único serviço da cidade está parado há mais de um ano, e os pacientes agora aguardam na fila de espera da Unicamp.
Segundo Ézora Helena Silva Moreira, presidente da Associação de Defesa dos Usuários da Saúde de Jundiaí, ao menos 40 doentes aguardam a vez para o tratamento. Para dez pacientes, porém, não houve tempo. “Soubemos das mortes pelo obituário do jornal”, diz ela.
Paciente teme que chances de cura diminuam
“Tenho medo de que essa demora em começar a radioterapia piore minhas chances de cura.” A frase é de Ana Damasceno, 41, que retirou um câncer na mama no início do ano, terminou as sessões de quimioterapia em 7 de fevereiro, mas ainda não pôde começar a radioterapia.
Em 16 de abril, ela tem consulta para, possivelmente, fazer uma programação do tratamento. Só após a radioterapia é que ela fará a reconstrução das duas mamas. “Não vejo a hora de fechar esse processo e recomeçar a vida.”
Ana tem razão em se preocupar. Segundo a SBR [Sociedade Brasileira de Radioterapia], o ideal é que a terapia comece entre quatro e seis semanas após a cirurgia. Para câncer da mama, estudos apontam que a espera não deve exceder quatro meses.
“Quanto mais rápida for a radioterapia, menor é a probabilidade de o tumor reincidir”, diz Neiro Motta, presidente da SBR.
Ministério da Saúde diz que eliminar a fila é uma das prioridades do PAC
A eliminação da fila da radioterapia é um dos pontos prioritários do Plano de Aceleração do Crescimento, o PAC da Saúde, lançado em dezembro de 2007 pelo ministro da Saúde, José Gomes Temporão.
Segundo Inês Gadelha, técnica do Ministério da Saúde, cada unidade de radioterapia dá cobertura a mil novos casos de câncer. Neste ano, estima-se que 85 mil doentes de câncer estejam fora da cobertura dos equipamentos existentes. Desse total, diz ela, 60% vão precisar de fato do tratamento, o que daria 54 mil doentes novos. O SUS é responsável por 80% desse tipo de tratamento.
Ela diz que há 275 serviços de oncologia credenciados e habilitados pelo SUS no país. Desses, 135 dispõem de 267 equipamentos. Para atender os novos casos, o país deveria ter 352 aparelhos, diz a técnica.
Quanto à limitação do teto de procedimentos, ela argumenta que os gastos são evolutivos. “Com a radioterapia, por exemplo, foi de R$ 77 milhões em 1999 e, em 2007, de R$ 146,3 milhões”, afirma Gadelha.
Para ela, a questão não é apenas comprar e instalar aparelhos ou tentar melhorar o pagamento pelos procedimentos, mas sim conseguir fixar recursos humanos nas regiões Norte e Nordeste do país.
A técnica também critica a falta de integralidade da assistência oncológica no país. “Não adianta ter acesso isoladamente à quimioterapia ou à radioterapia. O ideal é que o paciente seja tratado em equipe.” Gadelha diz que hoje é comum o paciente ser operado em um hospital, fazer a quimioterapia e/ ou a radioterapia em outro serviço e, se apresentar complicações da quimioterapia, por exemplo, ser internado em uma terceira instituição.
O PAC da Saúde prevê a entrega de 24 equipamentos -ao custo de R$ 47 milhões- e a implantação de 20 novos Cacons [Centro de Alta Complexidade em Oncologia], com investimentos de R$ 120 milhões.
Mas, com o fim da CPMF, a aplicação do PAC ainda é incerta, embora o ministro afirme que está brigando por novas fontes de recursos.
Da Assessoria de Comunicação do Cremepe.
Fonte: Folha de São Paulo (Reportagem de Cláudia Collucci).







