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EMENTA: Nos casos de morte de natureza violenta ou suspeita, o exame cadavérico, realizado pelo perito médico-legal é obrigatório e indispensável. Essa obrigação independe do tipo de violência e do tempo decorrido entre a produção da ação externa, não natural e o êxito letal.

CONSULTA: Atendendo à solicitação do Conselheiro Vice-Presidente, através do ofício Nº 506/2014, para análise e emissão de parecer acerca das questões formuladas e encaminhadas a este Conselho, pelo Dr. J. G. de F., passo a fazê-lo.

Em carta, datada de 06 de janeiro de 2014, protocolada na Secretaria do CREMEPE sob o nº 464/2014, o Dr. J. nos relata que “considerando o teor da Portaria nº 1.405 de 29 de junho de 2006, que instituiu a rede nacional de SVO, e apenas prevê em seu artigo 8º, inciso II, três situações em que os casos devem ser transferidos ao IML, quais sejam: a) casos confirmados ou suspeitos de morte por causas externas, verificados antes ou no decorrer da necropsia; b) corpos em estado avançado de decomposição; c) morte natural de identidade desconhecida, no que se refere ao alcance do conceito de “morte por causas externas”, passamos a fazer alguns questionamentos e para tanto, trazemos uma situação concreta, recentemente acontecida. Em seguida, o Dr. J. nos relata a história de uma senhora de 77 anos, seqüelada de AVC, que sofre uma queda da própria altura e fratura o fêmur. Foi internada para se submeter a tratamento cirúrgico da fratura. No pós-operatório, contraiu uma infecção e insuficiência respiratória, vindo a falecer 36 dias após ter sido internada. O consulente informa que o corpo foi enviado ao SVO, com história de choque séptico e infecção respiratória, argumentado-se de que se tratava de uma morte natural. Entretanto, como em sua origem, teve causa externa (queda da própria altura e fratura óssea), o corpo foi encaminhado do SVO ao IML. O Dr. J., então, nos questiona:

  1. Que elementos justificam a transferência do SVO ao IML, em casos de morte de causa natural, em que possa haver nexo causal com evento externo, ainda que tal evento tenha sido precipitado por doença prévia ou simples acidente, e sem que o corpo apresente qualquer outro sinal externo de violência e sem que haja qualquer indício de ocorrência de qualquer infração penal a se apurar?
  2. Todos os corpos, em que possa haver eventual nexo causal entre morte de causa natural, com fratura óssea, devem ser encaminhados indistintamente ao IML?
  3. Tal situação acima relatada pode ser considerada “morte violenta” ou não se justifica o encaminhamento do corpo ao IML, devendo a necropsia, em casos similares, ser realizada pelo SVO?
  4. Nas situações em que o corpo se encontra no SVO e que por motivo qualquer (morte suspeita ou de causa externa), seja encaminhado ao IML, e considerando que a atribuição legal para requerer a perícia tanatoscópica é da autoridade policial, indagamos se é necessário, o médico do SVO justificar perante esta autoridade os motivos que o levaram a encaminhar o corpo ou bastaria o simples encaminhamento do SVO ao IML, para que a necropsia seja realizada?
  5. Como deve proceder o médico legista, quando diante de situação similar, em que considere não haver elementos que justifiquem o encaminhamento de um corpo do SVO ao IML e não haja um pedido oficial para a realização da perícia pela autoridade policial?

FUNDAMENTAÇÃO: O Código de Processo Penal Brasileiro determina em seu artigo 158: “Quando a infração deixar vestígios será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado”. Assim sendo, nos casos de morte de natureza violenta ou suspeita, o exame cadavérico, realizado pelo perito médico-legal é obrigatório e indispensável. É preciso ressaltar que essa natureza violenta, atribuída a uma ação externa, não natural, pode se expressar de várias maneiras, desde um manifesto crime de homicídio, praticado com requintes de crueldade até “um simples acidente”, como uma queda da própria altura, segundo relatou o médico consulente. A legislação não estabelece um prazo de validade para que a ação externa e violenta seja considerada. O que importa, o que caracteriza a causa básica do óbito é o evento inicial, o fator desencadeante que deflagrou a sucessão de eventos mórbidos, interligados, culminando com a causa final ou imediata da morte. No caso reportado pelo Dr. Jorgenildo, a causa básica foi a queda da própria altura e a causa imediata a septicemia, como complicação do tratamento cirúrgico a que foi submetida a paciente. É a causa básica, o acontecimento inicial que determina o destino do cadáver, não importando o intervalo de tempo decorrido entre a produção da ação externa e o êxito letal. Dessa maneira, sempre em que houver qualquer história ou suspeita de violência, o corpo deve ser encaminhado ao IML. Essa determinação precisa ser respeitada, mesmo que o corpo não apresente sinais externos evidentes de violência, como aconteceria, por exemplo, numa suspeita de envenenamento ou num caso de asfixia mecânica por sufocação direta com um corpo mole. De maneira análoga, pacientes internados por causas naturais, como um processo infeccioso, que sofreram intercorrencias externas, como uma queda do leito ou a administração incorreta de um medicamento, alterando a evolução de sua patologia e lhe produzindo a morte, também deverão ser submetidos a uma perícia tanatoscópica, no IML.

As fraturas ósseas, na maioria das vezes são produzidas por uma ação traumática. Existem casos entretanto, em que as fraturas podem ser produzidas espontaneamente ou quando o osso é submetido a pequenos esforços, que em situações normais, não seriam capazes de produzir o dano. São as chamada fraturas patológicas. Elas podem ocorrer quando o osso se encontra comprometido por um processo infeccioso, como em casos de osteomielite, quando há rarefação da matriz óssea, como nos casos de osteoporose ou quando parte do tecido ósseo é substituída por outro tecido, como nos casos de neoplasias malignas com metástases ósseas. Dessa maneira, afastada a possibilidade de que se trate de uma fratura patológica, todos os corpos que apresentarem fraturas serão considerados como possíveis vítimas de trauma. Por isso, esses corpos devem ser encaminhados ao IML. Naturalmente, como estabelece a legislação em vigor, os corpos transferidos do SVO ao IML precisam estar acompanhados de documentação específica, incluindo a guia apropriada, assinada por uma autoridade policial. Essa determinação se encontra disposta na Portaria Conjunta SDS/SES Nº 001, de 30 de dezembro de 2010. A referida portaria instituiu a utilização da Pulseira de Identificação de Cadáver – PIC –, o Boletim de Identificação de Cadáver – BIC – e o Número de Identificação de Cadáver – NIC – no âmbito do Estado de Pernambuco, que passam a ser considerados elementos da identificação de todos os cadáveres humanos decorrentes de mortes de interesse policial, quer sejam mortes violentas, inclusive acidentais, ou com suspeita de violência (mortes a esclarecer). Nesta portaria ficou definido em seu artigo 3º, incisos III e IV que “As providências decorrentes das mortes de interesse policial consumadas em unidades de saúde providas de posto policial ativado (PP-PC) serão de responsabilidade do policial do posto, que preencherá o BIC e entregará a PIC ao profissional responsável pelo necrotério ou no caso de sua ausência, ao responsável pelo preparo do cadáver da referida unidade de saúde para que a coloque no cadáver, conforme determinado no POP-3, fazendo-se cumprir as disposições complementares relativas à atuação dos servidores do IML. Na falta de posto policial da PC em unidades de saúde onde ocorrerem mortes de interesse policial, as providências decorrentes serão de responsabilidade da Delegacia de Polícia (DP)

Circunscricional ou de Plantão da PC, segundo competência advinda do horário da ocorrência”. O artigo 4º da referida portaria determina que “No caso das mortes violentas, inclusive acidentais, ou com suspeita de violência (mortes a esclarecer), em que o auxiliar de necropsia do Serviço de Verificação de Óbito – SVO – necessitar encaminhar o corpo ao IML, o procedimento operacional padrão a ser adotado será o do POP-4, a que se refere o artigo 3º, inciso IV da presente Portaria.

Dessa maneira, os responsáveis pelo SVO deverão acionar a polícia civil informando que existe uma vítima fatal de morte violenta, inclusive se for acidental, ou com suspeita de violência (morte a esclarecer). O profissional responsável pelo necrotério ou, na sua ausência, o responsável pelo preparo do cadáver apresentará ao policial que se prontificar na Unidade de Saúde a Guia de Remoção Hospitalar do cadáver (GRH). O Policial Civil procederá ao preenchimento do Boletim de Identificação do Cadáver (BIC) – consultando a GRH – e entregará a Pulseira de Identificação de Cadáver (PIC) e a 1ª e 4ª vias do BIC ao profissional do SVO, responsável pelo transporte do corpo. Na delegacia, o Policial Civil encarregado de lavrar o Boletim de Ocorrência (BO-PC) deverá registrar o Número de Identificação de Cadáver (NIC) no campo aberto do histórico da ocorrência (COMPLEMENTO) e depois arquivará a 3ª via do Boletim (BIC). No IML, o responsável da remoção do cadáver deverá entregar ao setor administrativo do IML a GRH e a 1ª via do Boletim (BIC), que terá validade como documento oficial de encaminhamento do corpo para aquele órgão. O Médico Legista só realizará o exame tanatoscópico a cadáveres encaminhados pela PC que venham acompanhados da 1ª via do Boletim (BIC).

CONCLUSÃO: Nos casos de morte de natureza violenta ou suspeita, o exame cadavérico, realizado pelo perito médico-legal é obrigatório e indispensável. Essa obrigação independe do tipo de violência e do tempo decorrido entre a produção da ação externa, não natural e o êxito letal. Corpos enviados para exame necroscópico no SVO que apresentem evidências físicas ou suspeição de violência, ocorrida a qualquer tempo, devem ser encaminhados ao IML, a fim de serem submetidos a uma perícia tanatoscópica. A identificação de fraturas ósseas, sem evidências de patologias que justifiquem a sua origem, devem ser consideradas como suspeitas de ação externa e violenta. Assim sendo, o corpo que apresente tal achado deve ser submetido a uma perícia médico-legal, no IML. A transferência do corpo do SVO ao IML deverá obedecer legislação específica, que determina a comunicação do fato à polícia civil, que procederá o fornecimento da documentação necessária à realização desse procedimento. O corpo só será recebido no IML e o médico-legista só procederá à realização do exame cadavérico, quando atendidas essas exigências legais.

Este é o meu parecer, S.M.J.

Recife, 24 de março de 2014

Horácio M. Fittipaldi Júnior
Conselheiro Parecerista