Discurso proferido ao receber o título de Professor Emérito da UFPE
Minha querida Universidade Federal de Pernambuco
Há pouco mais de três anos me despedi do cargo de Vice-Reitor e logo em seguida, por imposição de uma legislação perversa, deixei de atuar junto a ti. Naquela ocasião agradeci o quanto fizeste por mim. Pensava eu que nada mais terias a me conceder. Mas, de acordo com o pensamento de Fernando Pessoa, que em diversas ocasiões falei nos meus discursos, sempre existem outros momentos. Disse o Poeta:
“Tantas vezes pensei ter chegado
Tantas vezes é preciso ir além”
Hoje, querida UFPE, me chamastes de volta, através da proposta do Núcleo de Saúde Coletiva do Centro Acadêmico de Vitória e em seguida do Departamento de Neuro-Psiquiatria do Centro de Ciências da Saúde. A volta traz consigo todo um simbolismo emocional. Como chegarei? Quem vou reencontrar? Mas, eu sou daqui desde minha adolescência e se todos são meus amigos, porque a dúvida? Se não estive presente fisicamente no meu cotidiano destes últimos três anos, com certeza, os daqui tem lugar assegurado em meu coração, porque nunca deixei de gostar e conviver com todos, seja de modo presencial ou digital.
As propostas do CAV e do CCS me deixaram emocionado, pela importância do Título de Professor Emérito, ápice de uma carreira docente, e por ter sido fruto do reconhecimento dos meus colegas.
“Digna é a Instituição que sabe reconhecer seus pares”
(Autor desconhecido)
Tu fizeste muito mais por mim que eu por ti, minha querida UFPE. Por isso, as recordações que tenho do tempo que passei junto a ti são uma das melhores coisas da minha vida. Faço com que estes momentos me acompanhem durante toda minha existência. Paulo Saraiva, em seu livro “Cérebro, Evolução e Linguagem” diz que a nostalgia é devida à saudade de um provável paraíso perdido. Refere ainda que sentimentos tão subjetivos podem talvez ser mais bem transmitidos, com maior sinceridade e beleza pela música do que pelas palavras. Não estaria ele contido na sublime e indefinível melancolia que transparece no Adagio Sostenuto de Beethoven? Durante um dos eventos criados por nós, o I Simpósio sobre o Cérebro, afirmou o Mestre Bezerra Coutinho que “se a memória desaparece, desaparece o eu, com seu passado, sua cultura e tudo o mais”. Este conceito é válido também para a memória das Instituições. Para exercitar esta função superior, a neurociência, minha área de atuação, ensina que é primordial a mente criar e, ainda neste evento, o Prof. Emérito Francisco Gomes de Matos nos disse que “o elemento mediador entre a mente e o cérebro é a linguagem”. A linguagem aproxima as pessoas e para que esta comunicação se faça, houve a necessidade da criação das diversas línguas, que se caracterizam pela sua complexidade, precisão e flexibilidade. Este instrumento favorece a adaptação do homem às inovações tecnológicas, segundo Paulo Saraiva, e, em consequência, ao surgimento da linguagem digital. Entretanto o pensamento vai mais além e, usando os dados armazenados na memória, leva os homens ao processo destas criações. E como será a memória no futuro?
Miguel Nicolelis, um dos maiores neurocientistas da atualidade, no seu livro “Muito além do nosso eu” relata que, enquanto estudante, assistiu a primeira aula de Introdução à Fisiologia Humana ministrada pelo Prof. Cesar Timo Yaria. Não entendeu porque os slides apresentados tinham música e mostravam o big bang e os primeiros hominídios, para no final mostrar o cérebro. Quando indagou porque este tipo de apresentação, Cesar lhe disse que se deve começar sempre pelo início de tudo. Mas, no outro dia teria uma aula avançada de Fisiologia. Quando Nicolelis perguntou como encontraria a sala, Cesar lhe disse: basta seguir a Música. Hoje já se pode registrar a música produzida por estes bilhões de Neurônios. Que princípios guiam a composição e a execução destas sinfonias neuronais? Diz Nicolelis que se a evolução tecnológica tiver a capacidade de decodificar estas sinfonias, que chamamos de memória, a neurociência será capaz de expandi-la a limites inimagináveis. A capacidade humana poderá então se expressar muito além da fronteira do nosso corpo.
O cérebro como guardião de todas as memórias, nesta ainda longínqua encruzilhada do futuro, poderá compartilhar na velocidade da luz, com todas as sinfonias humanas compostas ao longo de uma vida inteira. Ainda Nicolelis diz que este compartilhamento poderá ser com qualquer um que tiver a curiosidade e tiver acesso a este banco de memória dos mortais, seja onde estiver, neste vasto cosmo, bastando para isto simplesmente seguir a música, conforme Cesar Timo Yaria.
Cesar veio dar um curso sobre sono para os bolsistas de iniciação científica, no Serviço de Nelson Chaves e, muito mais, nos ensinou a pensar. Estava no curso eu, Cristina Cavalcanti de Albuquerque, Gilda Kelner e Marcelo Silveira, entre outros. Nós seguimos a sua música.
Por isso, evocando Bezerra Coutinho, ainda podemos afirmar: “Pensar é compreender o mundo a partir dos dados dos sentidos e do uso da razão”. Segundo Paulo Saraiva, os processos mentais devem ser vistos como manipulação de símbolos com estrutura semântica e sintática semelhante ao computador. Embora o computador seja, de todos os artefatos produzidos pela mente humana, o que funcionalmente se pode comparar de modo mais apropriado à atividade cerebral, essa identificação está longe de ser satisfatória. Estes conceitos fazem diferenciar a inteligência humana da artificial, pois o humano usa regras, que é impossível o computador usar, pois os humanos nem sabem que regras são estas. Constatei que és uma grande Universidade, pois os que te fazem, professores, pesquisadores, estudantes e servidores usam com perfeição o cérebro e a mente na criação e transmissão do conhecimento nas tuas diversas áreas e na preservação da tua memória.
Estive presente desde a concepção da ideia de um Centro Acadêmico na Zona da Mata, destinado à área da Saúde, até a concretização desta iniciativa. Acompanhei ali o início de todo este sucesso. Acompanhei Florisbela e Zelita se esforçando para conseguir tudo o que seria necessário a uma unidade acadêmica de ponta. Só não vi (e não perdi nada), os estimados gatos das duas. Acompanhei também os primeiros resultados das avaliações do MEC para a graduação dos diversos cursos. Participei do surgimento dos cursos de Pós-Graduação. Estive presente na posse de Florisbela e José Eduardo para dirigirem este novo CAV. Vi a sua expansão e verei muito mais daqui para frente.
Participei do sonho de Paulo Santana em criar o Curso de Graduação em Saúde Coletiva, do seu projeto discutido com todos os que fazem este Centro, mostrando e ensinando como deve ser feito um trabalho em equipe. Com esta metodologia e com o aval da Reitoria estamos construindo o projeto pedagógico de um curso de Medicina em Vitória, berço da formação médica em saúde da família. Como médico, acatamos a ideia, porque precisamos formar nossos jovens médicos com competência para atuar nas necessidades de saúde da população. O meu sentimento, neste momento importante, é de que esta láurea acadêmica, doada a mim por proposta do Núcleo de Saúde Coletiva e iniciativa dos amigos Paulo Santana e Florisbela Campos, me faz cada vez mais um “CAVIANO”.
E o CCS, a minha casa universitária desde o início da minha vida acadêmica? Quando aqui cheguei para cursar medicina, na Faculdade de então, era um adolescente cheio de sonhos e planos. Grandes Mestres me conduziram cientificamente, com princípios humanitários: Nelson Chaves e Paulo Saraiva, na iniciação científica, Manoel Caetano de Barros, Alcides Codeceira Jr., Salustiano Gomes Lins e Manoel Gomes de Andrade, na Neurologia, na Neurofisiologia clínica e na Epileptologia, especialidades que abracei e que até hoje as exerço, tendo contribuído para o engrandecimento delas. Fui médico há exatos 48 anos, no dia 08 de dezembro e a proximidade com a data desta solenidade me faz retornar ao princípio de tudo, conforme Cesar Timo Yaria. O Departamento de Neuro-Psiquiatria me acolheu como professor, após um histórico concurso. Meu Mestrado foi em Marseille, no Serviço do Prof. Henri Gastaut, sob sua orientação e do Mestre Robert Naquet, expoentes máximos da epileptologia mundial, na época. Naquet recebeu a Medalha de Honra ao Mérito Marquês de Olinda da UFPE. Meu Doutorado foi na UNIFESP, sob a orientação de Esper Cavalheiro, um dos melhores neurocientistas brasileiros e meu Pós-Doutorado na Universidade de Bologna, sob orientação do Professor Emérito Carlo Alberto Tassinari. Vi o desenvolvimento do meu Departamento, colaborando como seu Sub-Chefe e Chefe. Criei e fui o primeiro Coordenador da Pós-Graduação em Neuropsiquiatria e Ciências do Comportamento participando da valorização da sua pesquisa em neurociência. Vi nascer o Mestrado em Gerontologia, para onde fui levado por Márcia Carrera e Ana Paula Marques.
Como Diretor do CCS por dois mandatos, juntamente com José Thadeu Pinheiro, meu amigo e irmão, promovemos uma integração das diversas áreas da saúde, criando um eficaz modelo de gestão participativa. Como Vice-Reitor, também por dois mandatos, na gestão de Amaro Lins, participei do crescimento científico das diversas áreas do conhecimento da UFPE, transformando meu trabalho em algo fascinante. Quero externar minha gratidão ao meu Departamento de Neuro-Psiquiatria, que propôs ao CCS este mais importante título acadêmico da UFPE. Tudo isto por iniciativa do amigo Waldmiro Diègues.
Se consegui chegar até aqui, sou devedor a muitos que estiveram comigo nestes anos de vida. Meus pais, Júlio e Sevy, que não estão materialmente nesta solenidade, mas com certeza estão me vendo lá de cima, pois foram eles que me moldaram como pessoa. Minha esposa Vitória, cujo nome reflete o acontecimento de hoje, meu grande amor, por compreender os momentos difíceis e saber participar das minhas alegrias. Meus filhos, André, Rodrigo, Daniela, Mariana e Luiza pelo apoio, amizade e conselhos de jovens. Meus genros Rodrigo, Augusto e Vinicius e minha nora Carol sempre presentes na minha vida. Minhas netas, Bia, que me acompanhou em todas as minhas posses, Gabriela e Ana Maria, que me dão a visão do futuro e meu neto, Tiago que virá numa explosão de vida, como no poema de João Cabral de Melo Neto. Minha irmã Gilma e minha sogra Cacilda companheiras de viagem e da vida. Meus sobrinhos, primos, cunhados e todos os familiares que nunca me faltaram.
Um agradecimento especial a todos que estiveram comigo na minha longa vida acadêmica. Para não incorrer em omissão, peço permissão à comunidade universitária e elejo um que já se foi: Seu Manoel, que esteve na Faculdade de Medicina e no CCS desde a construção deste prédio, com seu fiteiro, e que me acompanhou durante toda a minha trajetória, mostrando com sua simplicidade como o gostar das coisas e das pessoas pode ser possível. E aprendi muito com ele.
Minha querida UFPE, nesta minha volta eu te vejo cada vez mais num crescente caminhar. Tu mostras como deve ser uma verdadeira Universidade, com nível de excelência do ponto de vista científico sem esquecer o teu compromisso social. E tu fazes isto com competência, não ficando restrita aos teus laboratórios e as tuas salas de aula, mas buscando em cada recanto da sociedade os anseios do povo. Este é o teu encanto.
Refiro-me novamente ao simbolismo da volta. Na Bíblia há referência à volta do filho pródigo. Não me vejo assim. Prefiro recordar, como já disse em outras ocasiões, a personagem Cordélia, da peça de Shaskespeare, o Rei Lear. Quando indagada se amava o pai disse “que o amava conforme seu dever de filha, nem mais nem menos”, diferenciando das suas irmãs que disseram que o amavam demais, para receber sua herança. Parodiando este texto, quero te dizer minha querida UFPE, que as minhas atividades foram apenas realizadas conforme meu dever de professor e gestor, nem mais nem menos.
Neste meu retorno, momento que jamais esquecerei, não quero mais me afastar de ti. Estarei sempre contigo, oferecendo o meu trabalho e o meu amor, para que eu possa te chamar, como o fiz desde o princípio de tudo:
Minha querida Universidade Federal de Pernambuco
Que Deus me acompanhe nesta nova etapa da minha vida,
seguindo sempre sua divina música
Meus agradecimentos ao CAV, ao CCS
e ao Conselho Universitário
Muito Obrigado pela presença e pela atenção de todos
Recife, 11 de dezembro de 2014
Gilson Edmar Gonçalves e Silva
Fonte: AMPE
Da Assessoria de Comunicação do Cremepe







