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USO DE HEMOTRANSFUSÃO EM MENOR TESTEMUNHA DE JEOVÁ

EMENTA: A autonomia dos pacientes menores de idade deve ser respeitada, na medida em que estes tenham capacidade de discernimento, ressaltando que as decisões devem ser precedidas de informação acessível e detalhada a respeito do caso em questão. Pacientes com diagnóstico de doenças progressivas que ameacem a vida nos quais não haja mais possibilidade de terapia modificadora de doença tem indicação de cuidados paliativos exclusivos. Nesta condição medidas intervencionistas podem ser consideradas fúteis, caracterizando obstinação terapêutica, e devem ser evitadas com a concordância do paciente, ou do seu representante legal. Da mesma forma a alta para a residência deve ser respeitada, quando este for o desejo do paciente/familiares, inclusive com a possibilidade de vir a falecer em casa.

 

CONSULTA: Médicos responsáveis pelo setor de cuidados paliativos e de oncohematologia pediátrico do HUOC descrevem o caso da menor CLS, então com 17 anos, admitida no serviço de oncohematologia pediátrica há cerca de 4 anos. A paciente tinha diagnóstico de Leucemia Linfóide Aguda (LLA), inicialmente com remissão de doença, apresentando recaída em março de 2014, sem resposta à terapia de resgate. A paciente é filha de pais adotivos que a abandonaram há cerca de 1 ano, vem morando na casa de amigos Testemunhas de Jeová. Em novembro de 2015 encontrava-se internada no HUOC sem possibilidade de tratamento específico e em cuidados paliativos exclusivos. Neste momento apresentava anemia grave (Hb 3,8) sem repercussões hemodinâmicas que trouxessem desconforto à paciente. A paciente se encontrava internada sem responsáveis legais, pois os pais não compareciam ao hospital apesar das tentativas do serviço social. A paciente apresentava bom entendimento da sua condição e recusava hemotransfusão por motivos religiosos, solicitando alta hospitalar. Ressaltam que a menor encontrava-se internada em uso somente de medicações via oral, sem necessidade de permanência no ambiente hospitalar. Os médicos assistentes são favoráveis à alta hospitalar e questionam a possibilidade de liberação da menor sem a presença dos responsáveis, para a casa de amigos que vem cuidando da mesma há cerca de 1 ano.

FUNDAMENTAÇÃO:

Código de Ética Médica – Res. (1931/2009)

Capítulo I – Princípios Fundamentais

XXI – No processo de tomada de decisões profissionais, de acordo com seus ditames de consciência e as previsões legais, o médico aceitará as escolhas de seus pacientes, relativas aos procedimentos diagnósticos e terapêuticos por eles expressos, desde que adequadas ao caso e cientificamente reconhecidas.

XXII – Nas situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico evitará a realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos desnecessários e propiciará aos pacientes sob sua atenção todos os cuidados paliativos apropriados.

Capítulo IV – Direitos Humanos

Art. 24. Deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo.

Capítulo V – Relação com pacientes e familiares

Art. 31. Desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte.

Art. 41. Abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal.

Parágrafo único. Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal.

Capítulo IX – Sigilo profissional

Art. 74. Revelar sigilo profissional relacionado a paciente menor de idade, inclusive a seus pais ou representantes legais, desde que o menor tenha capacidade de discernimento, salvo quando a não revelação possa acarretar dano ao paciente.

O código de ética médica vigente entende que o sigilo deve ser garantido a paciente menor de idade que tenha capacidade de discernimento, portanto admite o respeito à autonomia de menores que atendam ao especificado. Em diversos pontos também fica claro a necessidade de respeito às decisões dos pacientes ou, na sua impossibilidade, ao seu representante legal. No caso do respeito à autonomia dos pacientes é importante que os mesmos sejam previamente informados sobre todos os detalhes do caso para respaldar a decisão tomada. Fica ainda estabelecido que nos casos de doença incurável e terminal não devem ser empreendidas ações inúteis e obstinadas.

No caso em questão se trata de uma menor com doença incurável e terminal em cuidados paliativos exclusivos, a mesma, após esclarecimento detalhado do seu caso, e com bom entendimento, faz opção por não realizar hemotransfusão e solicita alta hospitalar. Por questões de ordem social a paciente não tinha responsáveis legais, porem tinha cuidadores informais presentes e comprometidos. Entendo que esta menor dispunha de discernimento, entendia bem sua condição e apresentava boas condições cognitivas para decidir, portanto deveria ter sua autonomia respeitada. Como se tratava de doença terminal em cuidados paliativos exclusivos a hemotransfusão poderia ser considerada terapia fútil e caracterizar obstinação terapêutica, podendo não ser realizada, com a concordância da paciente. A paciente não tinha indicação médica de internamento hospitalar e só estava tomando medicações via oral, portanto em condições de alta para sua residência, já que este era o seu desejo e ela estava vivendo os últimos dias de sua vida.

CONCLUSÃO:

A autonomia dos pacientes menores de idade deve ser respeitada, na medida em que estes tenham capacidade de discernimento, ressaltando que as decisões devem ser precedidas de informação acessível e detalhada a respeito do caso em questão. Pacientes com diagnóstico de doenças progressivas que ameacem a vida nos quais não haja mais possibilidade de terapia modificadora de doença tem indicação de cuidados paliativos exclusivos. Nesta condição medidas intervencionistas podem ser consideradas fúteis, caracterizando obstinação terapêutica, e devem ser evitadas com a concordância do paciente, ou do seu representante legal. Da mesma forma a alta para a residência deve ser respeitada, quando este for o desejo do paciente/familiares, inclusive com a possibilidade de vir a falecer em casa.

Este é o parecer, S.M.J.

Recife, 29 de dezembro de 2015.

Zilda Cavalcanti

Conselheira Parecerista