A portaria do governo federal que restringiu o conceito de trabalho escravo foi tema de debate do II Encontro Hispânico-Brasileiro de Saúde e Direitos Humanos. “Vivenciamos no Brasil um retrocesso na legislação que tem interface com o tráfico de pessoas. A portaria recém editada levantou o debate a nível internacional e o nosso País destacou-se negativamente, na contramão do trabalho construído ao longo da história”, afirmou o corregedor do CFM, José Maia Vinagre. Sobre o tema, o corregedor alertou ainda que a sociedade é colocada em risco quando interesses políticos se sobrepõem ao bem coletivo.
Tráfico de pessoas – Segundo dados divulgados pelo Governo Federal, 254 pessoas foram vítimas de tráfico em 2013 no Brasil – o que, segundo José Vinagre, não corresponde ao número real devido à subnotificação. Em todo o mundo, mulheres e meninas correspondem a 71% dos casos.
Atualmente, vigora no País o II Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Composto por 115 metas e 14 atividades, define estratégias para prevenir, reprimir e garantir proteção, acolhimento e assistência para vítimas diretas e indiretas desse crime. De acordo com o Ministério da Justiça e Segurança Social, 25 órgãos federais compõem o Grupo Interministerial de Monitoramento e Avaliação do Plano e uma atualização (III Plano) está em fase de desenvolvimento.
“Infelizmente, detectamos que as pessoas não conhecem a realidade desse crime no Brasil e, portanto, é como se o problema não existisse. Em casos de exploração sexual, há uma tendência de culpabilização da mulher, que é a principal vítima desse crime. É preciso conscientizar a sociedade e desenvolver mecanismos efetivos de enfrentamento ao tráfico de pessoas”, concluiu o corregedor do CFM.
Saúde – Para Juan Jose Rodriguez Sendín, ex-presidente do Conselho Geral de Colégios Oficiais de Médicos da Espanha, o tráfico de seres humanos é o mais rentável no mundo ao lado das guerras e os profissionais de saúde devem estar atentos. “Os médicos não podem ignorar a relação do tráfico humano com as práticas médicas. Sempre, antes ou depois, um médico ou uma equipe médica será envolvida nesse processo. Nunca se falou tanto sobre justiça social, mas em muitas vezes são apenas falácias”.
Sendín ressaltou que há uma cultura machista, inclusive no Brasil, que vulnerabiliza as vítimas quando se trata de tráfico de pessoas para exploração sexual e que casos que envolvam pesquisas clínicas com seres humano não podem passar despercebidos, citando o Código de Nuremberg.
Tráfico de órgãos – “Temos que lutar contra o crime organizado relacionado ao tráfico de órgãos. Todo o circuito de transplante deve ser seguro e hoje a Organização Mundial de Saúde afirma que 10% dos transplantes são ilegais. É difícil entender em que fase do transplante ocorre o tráfico, a ilegalidade. Mas, não podemos somente chorar. Os médicos precisam se envolver, a polícia deve atuar”, alertou o médico espanhol.
A coordenadora-geral do Sistema Nacional de Transplantes do Brasil, Rosana Nothen indicou que as forças de combate ao tráfico tanto de órgãos quanto de pessoas são: legislação, educação e informação. Nothen ressaltou que “há uma inconsistência muito importante dos dados, mas, no Brasil, não há registros de casos e o país não está nessa rota sangrenta. Temos uma boa legislação sobre transplante de órgãos, mas temos um problema de registros – e isso passa pela equipe de saúde. A nossa lista funciona e o desafio é incluir aqueles cidadãos que moram em locais distantes. O fluxo do processo de doação e transplante no Brasil é completamente monitorado”.
Completando 20 anos, o sistema de transplantes do Brasil também controla casos de doador vivo e encontra nos casos de doadores estrangeiros a maior dificuldade de controle devido à legislação.