Trade toma decisão radical para combater o turismo sexual: hotéis não aceitam mais visitantes nos quartos
Recife é uma das cidades no mapa do turismo sexual global. A capital de Pernambuco consta na lista de destinos indicados pelo Guia Mundial do Turismo Sexual (World Sex Guide, no original), uma associação global que, ignorando as campanhas mundiais de repúdio, incentiva viagens motivadas por sexo. Mas já não é tão fácil pagar para ter acesso ao corpo das mulheres pernambucanas nos hotéis da cidade. Para tentar apagar o Recife da rota do turismo sexual, os hoteleiros tomaram uma medida extrema: não permitem mais o acesso de qualquer visitante não devidamente hospedado aos apartamentos.
“Quase todas as campanhas dos órgãos oficiais contra o turismo sexual são pirotécnicas. Produzem barulho, mas efeito prático nenhum”, dispara o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis em Pernambuco (ABIH-PE), José Otávio Meira Lins. “Para evitar o acesso de prostitutas, decidimos não permitir qualquer tipo de visita aos hóspedes no apartamento. Mesmo que seja um parente”, diz ele, à frente da campanha criada para sensibilizar os funcionários da rede hoteleira local.
Por conta das novas barreiras, Recife tem sido alvo de queixas de turistas sexuais. As lamentações podem ser observadas no endereço na internet da associação mundial de promoção do turismo sexual. “Minhas experiências no Recife foram decepcionantes”, relata um colaborador . O motivo foi a impossibilidade de levar mulheres ao hotel. “Escolhi um quatro estrelas em Boa Viagem. Nesses hotéis, é impossível levar garotas até o quarto”, lamenta.
Além das óbvias justificativas humanitárias, José Otávio usa argumentos pragmáticos para explicar o porquê da campanha contra o turismo sexual. “Os turistas sexuais fazem com o destino o que os portugueses fizeram com o pau-brasil: destroem tudo e vão embora. Eles não geram receita, não gastam com restaurantes, não vão a museus, não querem cultura, só gastam com sexo”, diz ele. “E a presença de turistas sexuais ao lado de prostitutas constrange os outros turistas”, diz ele, explicando como o sexo pode minar um destino. Em praças como a Praia de Ponta Negra, em Natal, ou a Praia do Futuro, em Fortaleza, alvo de dezenas de reportagens sobre a ampla prática do turismo sexual, quase não se vê o turista do chamado tipo “família”. “Recuperar a imagem desses lugares vai levar muito tempo”, prevê.
Numa blitz recente da Polícia Federal em Ponta Negra, dezenas de estrangeiros acabaram presos. Não por estarem com prostitutas. Mas por não estarem com seus passaportes. “Embora imoral, o envolvimento de estrangeiros com prostitutas no Brasil não é ilegal. Até porque prostituição não é crime no Brasil”, diz, também pragmático, Roberto Pereira, presidente da Fundação Comissão de Turismo Integrado do Nordeste (CTI/NE), lembrando que sua afirmação tem a ver apenas com sexo praticado entre adultos. “Sexo com jovens e crianças é crime, pode e deve ser punido com rigor. Com estrangeiros ou brasileiros.”
“Não se pode impedir que o sujeito venha ao Brasil com a intenção de fazer sexo”, diz ele. “Embora saibamos dos danos que causa, constrangendo e afugentando os turistas de família, não podemos impedir”, diz, lembrando a única ferramenta disponível para diminuir os vôos fretados, normalmente ocupados só por homens, organizados por empresas que sabidamente montam pacotes de finalidades sexuais. “Normalmente, vôos charteres têm apoio do Estado, que compartilha por exemplo a mídia de divulgação. Não apoiá-los é a melhor forma de evitá-los”, diz ele.
Ao barrar acompanhantes nos hotéis, os hoteleiros atingem uma das partes mais sensíveis dos turistas: o bolso. “Como é impossível levar mulheres aos hotéis, a solução é levá-las a motéis, o que encarece o programa”, lamenta, na página de dicas sobre o Recife, um colaborador do guia de turismo sexual no mundo. “Temos que exigir que eles cumpram a reserva. Se é single, não se pode alterá-la para que vire uma reserva dupla”, diz Meira Lins. “E exigiremos identificação prévia dos acompanhantes. Hóspedes só podem receber visitas no lobyy e outras áreas sociais do hotel. Jamais no quarto”, concorda, taxativo o também hoteleiro e presidente do Recife Convention Bureau, Ozanir Castilhos. “Temos a orientação de checar especialmente hóspedes homens desacompanhados, para evitar que depois apareçam com acompanhantes”, diz ele.
“Tendo ou não disponibilidade de quartos, o hotel tem o direito de aceitar ou não seus hóspedes, sem maiores explicações”, encerra Meira Lins. “Se o hotel é deles, eles têm o direito de decidir quem entra”, concorda Nancy Feijó, presidente da Associação das Profissionais do Sexo em Pernambuco. E a hotelaria do Recife, com ou sem sexo nos apartamentos, não anda bem. Segundo a própria ABIH-PE, a taxa de ocupação está perto dos 20% de disponibilidade.
Prostitutas do Recife são capacitadas para prestar serviços turísticos
Profissionais do sexo, há muitas. Daquelas que batem perna nas calçadas às que ocultam a identidade sob anúncios de jornais e às universitárias que têm na best-seller Bruna Surfistinha um ícone. No Recife, as profissionais à moda tradicional, das que fazem trottoir pelos logradouros da cidade, são chamadas a atuar na preservação do patrimônio histórico – cenário de seus expedientes – e como ferramentas de atendimento ao turista. “Além de ser uma maneira de promover inclusão social e a diminuição do preconceito, a estratégia integra nosso programa de sensibilização turística da população, para que todos os moradores entendam a história e o potencial turístico do Recife”, diz Renato Barbosa, diretor de Revitalização Turística do Recife.
Em parceria com a Associação Pernambucana das Profissionais do Sexo (APPS), o projeto (inédito no Brasil) da Prefeitura do Recife vai capacitar prostitutas durante quatro semanas sobre o patrimônio e a cultura do Recife, além de outros temas. O programa começou na última semana, com mulheres que atuam em lugares como a Praça Joaquim Nabuco, a Praça da Independência e o Bairro do Recife. “Posteriormente, vamos trabalhar com as mulheres que atuam na Zona Sul”, diz Barbosa, explicando também a importância dessas mulheres para o patrimônio histórico da cidade. “Se hoje temos algo do Recife Antigo, devemos isso às antigas prostitutas da área.”
A idéia é fazer com que elas ajudem a evitar a degradação desse patrimônio e que repassem informações turísticas básicas aos transeuntes. “É importante saber a história das ruas onde trabalhamos”, diz Nancy Feijó, presidente da APPS, em luta por conquistas como a aprovação de projeto de lei do deputado Fernando Gabeira, que prevê a oficialização da profissão. “Devíamos ser capacitadas também para falar inglês”, defende. “A maioria de nós só sabe dizer I love you”, diz, entre risos.(B.A.)
Da Assessoria de Comunicação do Cremepe
Com informações do Jornal do Commercio.







