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Proibição da sibutramina divide opiniões

Medicamento foi retirado do mercado europeu, após estudo que indica aumento de 16% do risco de infarto em pacientes com histórico cardíaco. No Brasil, uso continua liberado

O primeiro alvo foi o rimonabanto, a pílula antibarriga que chegou ao mercado como um poderoso aliado contra a obesidade. Mas recebeu cartão vermelho das agências reguladoras de medicamentos e foi retirado das prateleiras. O motivo: estudos demonstraram que pacientes que utilizaram o medicamento tiveram aproximadamente o dobro de risco de desenvolver problemas psiquiátricos, como depressão, comparado àqueles que não utilizaram o produto. Agora, está na berlinda a sibutramina, comercializada há mais de dez anos. Isso mesmo: aquele remédio do qual sempre se ouviu falar que oferece poucos efeitos colaterais e, por isso, tornou-se superpopular nos quatro cantos do planeta.

No mês passado, a Agência Europeia de Medicamentos (Emea) publicou comunicado recomendando a suspensão da licença de comercialização de todos os medicamentos à base da substância. A decisão foi dura, com base no estudo Scout (Sibutramine cardiovascular outcome trial, em inglês), que concluiu que o produto aumenta os riscos de problemas cardiovasculares. Já o Food and Drug Administration (FDA), dos Estados Unidos, lançou um comunicado pedindo que os fabricantes dos medicamentos com sibutramina aumentassem as contraindicações na bula, mas não proibiu o uso da substância. No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) tem seguido, até então, um caminho parecido com o norte-americano: o órgão fará um alerta sobre os riscos cardiovasculares trazidos pelo remédio, mas pensa em não tirá-lo das farmácias – pelo menos, até o momento.

Diante da decisão da Europa, muitos médicos brasileiros ficaram surpresos. O endocrinologista Luciano Teixeira, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), lamenta o parecer do Emea: “Foi um susto. E essa conduta foi baseada num estudo feito em quem já tinha fatores de risco cardiovasculares”. Vale abrir um parêntese para explicar a pesquisa. O Scout envolveu cerca de 10 mil pacientes por seis anos, com o objetivo de avaliar possíveis benefícios da sibutramina no processo de perda de peso, em pacientes portadores de doenças cardiovasculares prévias, para quem a bula do produto contraindica a prescrição.

Os resultados preliminares do estudo indicaram que houve um aumento de 16% de risco de complicações cardiovasculares no grupo que usou sibutramina. Para Luciano Teixeira, esse percentual só reforça o que os endocrinologistas já sabiam. “Não devemos prescrever a sibutramina para pacientes com doença cardiovascular. O dia a dia do consultório tem mostrado que o uso criterioso do remédio, em quem não tem contraindicação, não traz problemas”, diz o médico.

O endocrinologista Ruy Lyra, primeiro brasileiro eleito presidente da Federação Pan-Americana de Endocrinologia para a gestão 2012-2015, acredita que só deve suspender a sibutramina, neste momento, quem tem histórico de doença cardiovascular, como infarto prévio, insuficiência cardíaca congestiva, angina e hipertensão arterial grave. “Os pacientes que tomam sibutramina e não se encaixam nesse contexto podem conversar com o médico para checar se devem manter o tratamento até serem dadas mais informações sobre o estudo.”

São os detalhes, diga-se de passagem, que precisam ser mais esclarecidos. Embora as considerações trazidas pelo Scout ainda não tenham sido liberadas por completo, o endocrinologista Francisco Bandeira, coordenador do Departamento de Endocrinologia e Diabetes do Hospital Agamenon Magalhães, informa que o estudo merece crédito porque leva em consideração os desfechos cardiovasculares. Em outras palavras, significa dizer que a pesquisa considera o impacto que o fármaco causa na saúde cardiovascular. Atualmente, os remédios para tratamento da obesidade têm que passar por esse tipo de levantamento para serem colocados no mercado. “Os medicamentos desse tipo eram lançados sem ser baseados nesse tipo de análise, que não era obrigatória. Foi o que aconteceu com a sibutramina”, assegura Francisco Bandeira.

Ele ainda bate na tecla de que os achados do Scout são preocupantes. “Um aumento do risco de infarto em 16% deve ser considerado sim. Significa que, a cada 100 pessoas, 16 podem ter o problema”, afirma o médico, que se posiciona sobre o fato de o Scout ter sido feito em quem já tem problema cardiovascular. “Todo medicamento capaz de diminuir o risco de infarto reduz bem mais essa chance em quem tem alto risco para o problema do que nas pessoas que não possuem essa chance. É por isso que o estudo escolheu pacientes com esse perfil”, acredita Francisco. “Se a sibutramina diminuísse o risco cardiovascular, esse declínio seria significativo na população vulnerável a doenças cardiovasculares, o que não aconteceu”, acrescenta.

A sibutramina se tornou a queridinha para o tratamento medicamentoso da obesidade por um simples motivo: estimula a sensação de saciedade. Quem responde ao objetivo principal do remédio confirma que se contenta com porções pequenas de comida. Foi o caso da turismóloga Karina Dantas, 30 anos, que admite ter usado a medicação bem mais por questão de vaidade do que de saúde. “Queria perder quatro quilos. A médica disse que não era preciso, mas insisti em tomar”, conta Karina. “O remédio faz mesmo a gente ficar satisfeito rapidinho.”

Ao ser questionada sobre a possibilidade de repetir o uso da sibutramina, ela é enfática: “Não tomaria hoje novamente pelas consequências que vi alguns pacientes terem. Felizmente, não senti nada, mas outras pessoas relataram tremor, taquicardia, sensação de desmaio e calafrios”. Assim como Karina, a professora de português Sandra Caminha, 49, experimentou o medicamento porque, segundo ela, veio com a promessa de não trazer muitos efeitos colaterais.

“Nas duas primeiras semanas, trouxe resultados. Fiquei saciada com uma quantidade menor de comida. Passados esses dias, a vontade intensa de comer voltou”, relembra Sandra. Mesmo assim, em dois meses, ela chegou a perder 16 quilos. “E continuei por mais três meses, embora sentisse tremor, boca seca, sudorese, insônia e irritabilidade.” Em novembro do ano passado, Sandra achou que era hora de parar definitivamente com o uso da sibutramina. “Até hoje tenho os comprimidos, mas sei que vou ter insônia se tomá-los. Então deixei pra lá e estou fazendo um spa.”

Diferentemente de Karina e Sandra, o advogado Oderson Acioli, 38, faz elogios à medicação. Mas ciente de que o resultado que tem apresentado é fruto de muita disciplina. “O tratamento que faço é bastante criterioso. A médica é responsável e exige que eu me submeta a um check-up com frequência”, conta Oderson, que chegou a perder 45 quilos, passou a se exercitar, ganhou cerca de seis quilos de massa magra e mantém 84 quilos há um ano.

De qualquer maneira, ele frisa que a sibutramina não é poderosa sozinha. “Como eu nunca acreditei que remédio algum possa fazer efeito isoladamente a longo prazo, passei a investir em hábitos saudáveis, como reeducação alimentar e caminhadas. Mas nada muito rígido”, conta o advogado, que tem a mesma opinião de muitos pacientes que usam (ou já usaram) o fármaco em questão. “Com a sibutramina, a gente continua a sentir fome. A diferença é que, durante as refeições, ficamos saciados mais rapidamente. Senti efeitos colaterais bem pequenos, como constipação intestinal. Mas confesso que outras pessoas apresentam sinais mais incômodos, como insônia.”

Pelo relato, ele deixa transparecer que ganhou qualidade de vida. “Sou feliz com a minha história. Passei a fazer ioga, sem saber se conseguiria me adaptar ao exercício, que traz muitos benefícios. Hoje, faço com regularidade.” De fato, Oderson é uma prova de que os remédios para obesidade podem ser um grande aliado na luta contra a balança, desde que sejam administrados com responsabilidade. E pelo que a comunidade científica tem mostrado, vai ficar cada vez mais difícil eles entrarem no mercado, já que precisarão passar por mais estudos rigorosos. Afinal, o que os pacientes mais querem é segurança na hora de tomar qualquer medicamento, seja para emagrecer ou para qualquer outra finalidade.

Da Assessoria de Comunicação do Cremepe.
Fonte: Jornal do Commercio (13.02.2010)