Qual a postura do médico ante a possibilidade de divulgação de suas atividades? O que é permitido e sob quais condições? Essas questões têm chamado a atenção dos profissionais da Medicina desde a entrada em vigor do novo Código de Ética Médica, em 13 de abril. O documento dedica um de seus capítulos à publicidade de assuntos médicos, com orientações visando a evitar deslizes que possam comprometer a seriedade do trabalho.
“O Código estabelece que a publicidade médica deve ser socialmente responsável, discreta, verdadeira e reverente à intimidade e à privacidade dos indivíduos. A sociedade espera do médico uma comunicação que não esteja dirigida à conquista de mercado”, sintetiza Carlos Vital, 1º vice-presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM) e membro da Comissão Nacional responsável pela revisão do Código.
Em seus princípios fundamentais o novo arcabouço ético também prevê que a medicina não pode, “em nenhuma circunstância ou forma”, ser exercida como comércio. Os anúncios médicos, portanto, devem apenas tornar públicos os serviços prestados por profissional ou empresa – práticas agressivas de propaganda, comuns no comércio de bens e na prestação de determinados serviços, são incompatíveis com a ética da profissão.
De acordo com José Fernando Maia Vinagre, corregedor do CFM e membro da comissão revisora, a medicina é e deve ser vista como atividade meio, não como atividade fim. “O médico utiliza técnicas para tratar o paciente. Por meio delas busca promover o bem-estar físico e mental. Precisamos oferecer os melhores métodos e recursos, mas não é correto que um profissional prometa resultados. As promessas podem não se realizar e, assim, o paciente terá sido enganado”, alerta.
As peças publicitárias de serviços médicos devem ser elaboradas com o devido respeito ao direito do paciente de consentir a submeter-se a um tratamento de modo livre e esclarecido. Para Vital, ao prometer resultados ou dar às informações um revestimento sensacionalista, o médico não possibilita o esclarecimento do indivíduo e interfere no seu direito de autodeterminação para escolher o que lhe pareça mais conveniente.
Pelo Código, ao médico é vedado tratar informações sobre tema médico de modo sensacionalista, divulgar tratamento que não tenha sido cientificamente reconhecido, realizar consulta por meio de veículo de comunicação de massa, anunciar títulos científicos que não possa comprovar, participar de anúncios de empresas comerciais valendo-se da profissão, apresentar como originais descobertas que não o sejam e deixar de incluir em anúncios profissionais seu número de inscrição em um CRM.
Outras normas também orientam
Além do Código de Ética Médica, a Resolução CFM 1.701/03 também fixa os critérios da propaganda em medicina, conceituando os anúncios, a divulgação de assuntos médicos, o sensacionalismo, a autopromoção e as proibições referentes ao tema, como propagar técnicas exclusivas e a garantia de que aparelhagem propicia capacidade privilegiada.
“Também estamos preocupados com a privacidade dos indivíduos. A exposição de paciente não é permitida, nem mesmo com autorização expressa. A resolução que trata de publicidade permite essa exposição apenas em trabalhos apresentados em eventos científicos – ainda assim, somente se as imagens forem imprescindíveis e houver a devida autorização”, explica José Fernando Vinagre, corregedor do CFM.
A resolução determina que cada conselho regional de medicina mantenha uma Comissão Permanente de Divulgação de Assuntos Médicos (Codame), constituída por três membros, no mínimo. Entre outras atividades, a comissão é responsável por convocar médicos para esclarecimentos e determinar a suspensão de anúncios.
“Sempre que um médico ou uma empresa tiverem dúvida sobre o tema, devem fazer uma consulta à Codame do CRM”, ressalta Emmanuel Fortes, coordenador da Codame do CFM e 3º vice-presidente da instituição. Em sua opinião, o médico pode divulgar suas atividades, desde que utilize meios sóbrios e discretos. “Em entrevistas, por exemplo, sua participação deve ser esclarecedora. Nessas ocasiões não é cabível que procure angariar clientela ou auferir lucro”, destaca.
Desobediência pode gerar até cassação
Pelo Código, o médico pode participar de campanhas de divulgação apenas com o objetivo de prestar esclarecimentos à população. Está proibido de realizar uma série de ações que podem ser interpretadas como deslizes éticos, ao buscar o lucro, mercantilizar o exercício da Medicina ou não primar pela confidencialidade da relação médico-paciente.
O descumprimento dessas normas pode levar o médico a responder a processos ético-profissionais que podem resultar em condenação por infração ao Código de Ética, com a aplicação de sanções que vão de advertência privada a cassação – previstas na lei 3.268/57. Por isso, os médicos devem ficar atentos à necessidade de que todos os anúncios estejam de acordo com as prescrições das normas vigentes, mesmo quando são elaborados por profissionais de comunicação.
Um levantamento realizado pelo Conselho Regional de Medicina de São Paulo mostra que somente em 2007 a penalidade de censura pública em publicação oficial foi aplicada 19 vezes a médicos do estado em razão de irregularidades em peças publicitárias. No mesmo ano, a pena de suspensão do exercício profissional foi aplicada duas vezes – a penalidade mais grave, “cassação do exercício profissional”, chegou a ser aplicada duas vezes no ano de 2006.
Ignorar a regras pode levar médicos ao Serasa
O respeito aos limites da publicidade e da propaganda preserva a ética e evita constragimentos. Por isso, o CFM tem alertado os inscritos para os riscos de premiações do tipo “médico do ano””, “destaque da Medicina” ou “melhor médico””. Essa prática é vedada pela resolução nº. 1.701/2003. A cautela é necessária, pois há empresas que, em nome do lucro, têm causado sérios problemas.
De acordo com o 1º secretário do Conselho, Desiré Carlos Callegari, os organizadores desses eventos descontextualizam frases de personalidades da Medicina sobre a importância de se homenagear os profissionais de destaque e as veiculam em material publicitário para atrair atenção. Eles usam ainda o nome CFM para dizer que a entidade reconhece as especialidades e áreas de atuação em que atuam os médicos. Callegari ressalta que “o CFM não apóia iniciativas como essas”.
Não são raros casos de médicos ludibriados. Em junho, um médico de São Paulo comunicou ao CFM ter sido informado por carta que havia sido contemplado com um “prêmio” de Medicina. Depois de confirmar sua participação foi-lhe dito que teria que pagar por convites ao valor de R$ 1.600. Diante da exigência, desistiu da “homenagem”. O episódio ocorreu há dois anos, mas recentemente ele descobriu seu nome numa instituição de proteção ao crédito por não ter pago os bilhetes.
Uma médica do Acre relatou ao CFM ter vivido experiência semelhante. Ela conta ter recebido carta em janeiro comunicando que seu nome fora escolhido para um “prêmio”. Os organizadores disseram que havia sido eleita uma das melhores no seu Estado. Ao confirmar sua presença na cerimônia de entrega do titulo, em São Paulo, recebeu um boleto de R$ 800 para bancar ingressos.
Pagou e aguardou em casa a chegada dos convites. Dias depois soube que precisaria se hospedar no hotel vinculado à promotora da cerimônia ou seus bilhetes seriam cancelados. Desistiu da viagem, mas os problemas continuam. “Nunca recebi o prêmio, nem os ingressos e meu nome foi incluído no Serasa. Ao pedir informações, ainda fui insultada”, conta.
“Além de configurar infração ética, o médico pode acabar com problemas de ordem pessoal e ter gastos para resolvê-los. Ainda corre o risco de acabar desacreditado pela própria classe, pois todos sabemos como são demandados estes convites para homenagens”, finaliza Callegari.
É preciso cautela na relação com a indústria
O relacionamento do profissional da medicina com indústrias e financiadores de pesquisa também é objeto de regulação pelo Código de Ética. O documento proíbe ao médico manter vínculo de dependência com seus financiadores para satisfazer interesse comercial ou obter vantagem pessoal. O profissional que é professor ou autor de trabalhos científicos, por sua vez, deve declarar suas relações com indústrias de medicamentos, órteses, próteses, equipamentos, implantes de qualquer natureza e outras que possam configurar conflito de interesse, ainda que potencial.
“O exercício da profissão e a produção de conhecimento devem ser exercidos com liberdade e autonomia em relação a interesses comerciais ou escusos. Os conflitos gerados pela especulação da indústria e do comércio com o ato médico exigem constante análise dos parâmetros éticos”, avalia Carlos Vital.
O Código também veta o exercício da profissão em interação ou dependência com farmácia, indústria farmacêutica ou qualquer instituição que fabrique, manipule ou comercialize produtos de prescrição médica. Relações de qualquer natureza com empresas que anunciam ou comercializam planos de financiamento, cupons de descontos ou consórcio para procedimentos médicos também não devem existir.
Volnei Garrafa, professor de Bioética da Universidade de Brasília, considera oportunas as mudanças no Código de Ética. Segundo ele, a relação de médicos e pesquisadores com a indústria farmacêutica fica mais complexa a cada dia, o que gera conflito de interesse: “Nos Estados Unidos, na Alemanha e no Reino Unido, por exemplo, há, em média, um representante de laboratório para cada grupo de oito médicos”.
Além do Código, a Resolução CFM 1.939, aprovada em fevereiro deste ano, também estabelece vedações ao vínculo de médicos com empresas. Pela norma, o profissional não deve participar de qualquer espécie de promoção relacionada com o fornecimento de cupons ou cartões de descontos aos pacientes, para a compra de medicamentos. A proibição inclui o preenchimento de cadastros ou fichas para facilitar a participação do paciente nessas promoções.
De acordo com Henrique Batista, secretário-geral do CFM, as promoções que se baseiam na construção de bancos de dados com informações que qualificam os pacientes permitem, por fim, que o diagnóstico seja indiretamente revelado. “Além de ferir o sigilo, o médico induz ao consumo de medicamentos, obtém vantagens com sua venda e acaba por exercer a profissão como um comércio, o que o Código de Ética não permite”, ressalta.
O que pode:
Anunciar serviços de maneira sóbria, informando nome, especialidade e número de registro em CRM. Títulos científicos comprováveis e meios de contato também podem ser informados
Em anúncios de pessoas jurídicas, incluir o nome do diretor-técnico da instituição, com a respectiva inscrição no CRM local
Conceder entrevistas a veículo de comunicação para esclarecer a sociedade
Usar imagens de tratamento em eventos científicos, quando imprescindível, mediante autorização expressa do paciente
Receber títulos ou homenagens de entidades reconhecidas pela sociedade, como universidades, instituições públicas, sociedades médicas, entre outras
O que não pode:
Conceder entrevista para se autopromover
No contato com a imprensa, fornecer endereço e telefone de consultório para angariar clientela
Participar de anúncios comerciais
Divulgar tratamento não reconhecido pela comunidade científica
Anunciar títulos científicos sem a devida comprovação
Apresentar como originais descobertas que não o sejam
Abordar tema médico de modo sensacionalista
Não incluir em anúncios seu registro em CRM
Prometer, garantir ou insinuar resultados
Fazer consulta pela mídia
Afirmar possuir aparelhos que lhe atribuem capacidade privilegiada
Expor imagens de paciente para divulgar técnica, método ou resultado de tratamento
Oferecer serviços por meio de consórcios ou similares
Participar de concursos ou premiações para escolha do “médico destaque” ou “melhor médico”
Dar ao paciente cupons de desconto
Manter vínculo de dependência com indústria de produtos de prescrição médica
Deixar de declarar conflitos de interesse, ainda que potenciais, relativos à sua atuação como docente ou pesquisador
Da Assessoria de Comunicação do Cremepe.
Fonte: Assessoria de Comunicação do CFM.







